6.3.07


Wander Wildner - "Seja punk mas não seja burro"


Há quase um ano, Wander Wildner passou aqui por João Pessoa pra lançar seu ultimo CD, “10 nos bebendo vinho”, e fez um show junto com as bandas locais Scary Monsters e Musa Junkie. A festa foi, como já era de se esperar, uma loucura: o que começou com voz e violão depois passou prum som enérgico e com o público gritando em coro quando os músicos da Musa Junkie subiram para o acompanhar Wander em canções clássicas como “Bebendo vinho”, “Jesus Voltará”, “Hippie Punk Rajneesh”, “Surfista calhorda” e “Eu não consigo ser alegre o tempo inteiro”.Eu não poderia perder a oportunidade de bater um papo com o ex-integrante de um dos grupos mais influentes no estilo, o Replicantes e essa lenda do punk nacional, que estava viajando pelo Nordeste sozinho, com sua guitarra e mochila nas costas, nos ônibus de linha fazendo shows onde parava e sem frescura nenhuma, no maior estilo “do it yourself”. Depois de uma feijoada, bebendo vinho e tirando onda, o que era pra ser apenas uma brincadeira com os nomes das composições dessa lenda punk acabou tomando um rumo interessante... Dá uma olhada.Você acredita mesmo que Jesus voltará?Wander- (risos) na verdade aquela é uma música que surgiu da seguinte forma: Um dia eu tava voltando pra casa e eu passei por uma kombi que tinha um adesivo atrás escrito “Jesus voltará”. Aí eu fiquei pensando... Se Jesus voltar, ele vai ter que voltar pra algum lugar, né? Comecei a pensar: Mas pra qual cidade ele vai vir, como é que ele vai escolher uma cidade ou outra? Por aí já começava o absurdo da história. Foi ótimo porque eu cheguei em casa e a letra veio toda de uma vez. Então como eu moro em Porto Alegre, o imaginei lá, andando pelas ruas... Imaginei também que a minha mãe ia querer que ele ficasse na casa dela (risos). O legal é o que completa isso: Um clipe da música. Fizemos o vídeo de Jesus andando pelas ruas, de calça branca. Colocamos um amigo nosso que não tinha nada a ver com Jesus, mas tinha cabelo comprido e barbicha pra ser o tal filho de Deus. Na história ninguém o reconhece na rua, então clipe continua falando dessa história... Ele anda descalço e acha um tênis na lata do lixo, bota e saí caminhando... Mas vem uns caras e o assaltam, porque naquela época estavam roubando muito tênis... Isso foi em 89!Bom... No final ele senta num lugar, fica bem triste porque ninguém o reconheceu e nota que está saindo uma fumaça de um galpão. Quando ele entra lá é um show nosso. Aí ele fica alegre! Terminamos o clipe numa mesa com ele no meio de nós, como se fosse a santa ceia. Ficou lindo, mas foi censurado pela MTV, pelo Zeca Camargo e Sérgio Gal, que eram os diretores na época. Eles na verdade não entenderam nem a letra nem o clipe, a gente foi muito inteligente nessa sacada... E olha que eles eram considerados modernos e loucos, na verdade eram super católicos e conservadores... Bom, mas eu to montando um DVD agora (sobre a turnê Européia dos Replicantes) e vou colocar esse clipe, quase ninguém viu, acabou nem rolando na TV por conta disso. Você só se entorpece bebendo vinho?Wander- Hehehehe. Não, me entorpeço de varias maneiras... Bebendo vinho é uma delas. Na verdade o vinho é porque eu sempre achei legal, é uma coisa que lá no Sul é importante. Fui criado tomando vinho desde pequeno e hoje eu procuro tomar sempre. Sem contar que lá os vinhos chegam bem mais baratos. Pra você ver: Eu ontem estava em Maceió, fui à rodoviária pra vir pra cá pra João Pessoa e almocei por lá mesmo. E tinha um vinho... Eu nem sei se era daqui do Nordeste ou do Sul, mas pedi. Eu prefiro tomar um vinho, mesmo sendo suave, a tomar cerveja (refrigerante eu não bebo mesmo), e ainda mais depois que os Replicantes foram pra Europa, em 2003 (que é esse DVD que estamos lançando agora), descobrimos o lance da cerveja: a gente fez 24 shows em 27 dias e a primeira coisa que fazíamos quando chegávamos a algum lugar era comprar cerveja, porque lá cerveja é outra coisa! Então tinha pra todo mundo, e sempre fabricadas na cidade onde estávamos, eles tinham muito orgulho, lá todos querem fazer a melhor cerveja. E aí a gente tomava cerveja desde a hora que acordavamos até a hora que íamos dormir... Eu voltei 10 quilos mais magro!Mas cerveja não engorda?Wander- É que cerveja lá é outra coisa, entende? É CERVEJA mesmo. Aqui não. Aqui essa parada incha! Reza lenda que a maior empresa de cerveja aqui no Brasil é também a maior compradora e importadora de alpiste, ou seja: ou eles são os maiores criadores de canários ou essa cerveja é feita de alpiste, hehe. Lá não engorda mesmo! Pois bem, o que aconteceu? Depois que voltamos eu diminuí muito meu hábito de tomar cerveja... Quando eu quero mesmo uma eu compro importada.Mas é interessante essa história de entorpecer bebendo vinho... Antes de tocar eu não bebo nada, não gosto de nenhum entorpecente.Mas hoje você não está bebendo esse cálice de vinho conosco?Wander- Mas hoje eu estou aqui com vocês... Vocês ofereceram e seria uma desfeita não aceitar (risos)... Pois é, há exceções! Eu realmente, na maioria das vezes, não bebo antes de tocar. Por que não?Wander- Porque eu não gosto de fazer duas coisas ao mesmo tempo. Beber vinho já é fazer alguma coisa, entende? Eu faço show tomando água, pra estar 100%. Se eu tomar vinho ou usar algum tipo de droga, eu vou ficar viajando e estar tocando, ou seja não vou estar bem.Então você se entorpece depois...É, porque o entorpecer pode se também varias coisas. Várias coisas têm drogas. Depois de 30 minutos que tu ta correndo, desenvolve endorfina, que é uma droga. Tu se sente tribem... Se tu faz um esporte mais rápido teu corpo desenvolve adrenalina. Por exemplo, nessa viagem pra Europa, eu senti que estava sempre com endorfina, sempre! Wander, você é hippie, punk ou rajneesh?Wander- Eu sou brega. Na verdade eu brinco dizendo que sou brega porque ninguém admite isso de si mesmo. E o brega, comparando com o resto mundo, seria o punk brasileiro. Por quê?Wander- O brega é uma característica, uma virtude da nossa cultura que a classe média e a classe alta depreciaram. O que é o punk? O punk inglês, por exemplo: A historia do faça você mesmo, que surgiu em Nova Iorque... Bla bla bla. Essa historia que a gente tem do punk clássico, de coturno, calça de couro, isso é em Londres. Aí você imagina: por que que ele se veste assim? De jaqueta de couro e tal? Por quê? Porque é frio, entende? Só que os punks daqui, como o Brasil é um país 500 anos mais novo e é uma colônia, copiam as coisas, eles não pensam muito. Então o punk brasileiro pode estar em Salvador, em Florianópilis ou em São Paulo, de coturno e tal... Eu acho que um punk em Florianópolis ou em João Pessoa tinha que andar de chinelo e bermuda, de camiseta branca e não preta, se ele for inteligente. Então o punk brasileiro é burro?Wander- É como eu digo numa música dos Replicantes: Seja punk mas não seja burro. Não é que ele é burro, é que o povo brasileiro é informado de coisas que não são produtíveis. Toda informação que é gerada pela escola e pela mídia são informações que só servem pra tornar a pessoa escrava de um patrão. Isso é o capitalismo. Os americanos mentiram dizendo que com o capitalismo todo mundo ia ser igual, que nem eles lá. Mas isso é uma mentira, na verdade eles queriam escravos. Qual a diferença entre aqui e os EUA em termos de capitalismo? Lá os estados são independentes, não vai tanto dinheiro só pra Washington, entende? Cada estado tem leis próprias porque são regiões diferentes. Só que aqui a gente funciona como se todos os estados fossem iguais, mas estamos num país gigante! As músicas que tocam em todas as rádios são as mesmas 32 músicas, na parte rock pop, que é o que passa na televisão. Eles unificaram o Brasil em vez de separarem visando às diferenças de costumes. Cada estado deveria ser mais autônomo. Republica Federativa do Brasil, que é o que era antes.E o brega?Wander- Então... O brega na verdade é muita coisa. Tem gente que diz que o brega é o prostíbulo, o puteiro, a casa da luz vermelha no interior do Nordeste. Esses tempos nós estávamos num projeto sobre isso e o Zé Rodrigues falou que existia uma rua em Salvador que chamava-se Manoel de Nóbrega, só que o nome apagou e ficou só o Nóbrega, então todo mundo falava “Vamo lá no brega” e tal... São várias definições, várias coisas... Se a gente pegar os anos 50, o brega era uma característica da pessoa humilde. A pessoa mais simples se arruma pra ir numa festa, por exemplo, a gente visualiza aquela imagem: uma camisa amarela, sapato branco, calça colorida... Mas isso na verdade era a melhor roupa que ele tinha, é uma característica do povo brasileiro. Mas com o crescimento do capitalismo e a classe média tomando poder, ela ridiculariza. Porque essa pessoa é o funcionário, o empregado, o escravo dela. Então eles acabaram com o brega. De uma virtude passou a ser um defeito.Então o brega que você utiliza é como uma forma resistência?Wander- É, aí eu uso isso em vez de dizer punk, porque o punk é muito mais difícil explicar, sabe? Eu, Wander Wildner- carreira solo, não faço música punk, faço uma coisa com minhas influências de criança. Eu ouvia os vinis dos meus primos... Roberto Carlos e Jovem Guarda. Depois no rádio, nos anos 60, com 10 anos eu ouvia a música brega, era o que rolava. Depois nos anos 70 tive influência da música folk e latina, que toca muito no Rio Grande do Sul.

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