Roger Waters e banda lavam a alma dos fãs
de Pink Floyd em São Paulo
Show altamente técnico e planejado, sem margem para improvisações, com um repertório consagrado e amparado por aparatos tecnológicos dignos das grandes arenas européias. Foi isso que cerca de 45 mil pessoas, a maioria fanáticos por Pink Floyd, presenciaram no Estádio Morumbi ao longo de quase três horas na noite do último sábado, em São Paulo, no encerramento na América Latina da turnê Dark Side of the Moon, uma superprodução levada a cabo por Roger Waters.
Pouco antes do espetáculo começar, os organizadores pediram a atenção do público para, durante o show, permanecer sentado em seus lugares. Apesar das vaias iniciais, a solicitação foi seguida pelos seguranças, que levaram os espectadores mais afoitos a seus assentos, e cumprida à risca a maior parte do tempo pela platéia – um show para apreciar detalhes e nuances, que primou pela fidelidade às gravações originais, além do fabuloso conjunto de atrações multimídia.
Uma tela gigantesca estava colocada no fundo do palco, com uma resolução de imagens assustadora. A definição era tão incrível que os objetos exibidos pareciam de fato estar lá. Pois o aquecimento não coube a uma banda, o que seria risível para os fãs – um rádio dos anos 50, projetado no telão, tocava old standards da música norte-americana, de “Hound Dog”, de Elvis Presley, a “My Funny Valentine”, cantada por Chet Baker. Completavam a cena baforadas de cigarro, um avião em miniatura, uma garrafa de uísque e um copo, que vez ou outra era preenchido por uma mão (a de Waters, presume-se). Mão, aliás, que mexia no dial para sintonizar melhor as músicas ou trocar estações (como no caso em que começou “Dancing Queen”, do ABBA).
Pontualmente às 21h, Roger Waters entra em cena, trajando o figurino de sempre – terno e camiseta pretos –, e lança um esforçado “obrigado”. O público recebe o baixista efusivamente, e ele retribui tocando “In the Flesh”, também escolhida para abrir os shows em sua última passagem pelo Brasil, em 2002. Os primeiros acordes da canção, acompanhados na tela por imagens de martelos marchando (do filme "The Wall"), já são suficientes para deixar os fãs emocionados. Já se ouvem frases como, “cara, acho que vou chorar”, repetidas várias e várias vezes ao longo da noite.
SUCESSOS
A primeira parte do show é composta por sucessos do Pink Floyd e algumas poucas da carreira-solo de Waters. O repertório não reserva nenhuma surpresa, já que é o mesmo em toda a turnê. Destaque para “Set the Controls for the Heart of the Sun”, em que o músico aparece literalmente no centro do sol, graças à tela, e a espacial “Shine On Crazy Diamond”, com refrão cantado em coro pela platéia. Acompanham as músicas projeções de fotos da formação original da banda, sempre com destaque para um homenageado Syd Barret. O vocalista e compositor, cuja ausência assombrou o Pink Floyd por bons anos após sucumbir à esquizofrenia e abusos com drogas, faleceu em julho do ano passado.
O momento hit universal, cantado até porque quem foi ao show só para ver como ia ser, obviamente foi “Wish you were here”. Na tela, o rádio apareceu novamente, agora com uma vela acesa, oscilando levemente. A imagem, que em tempos idos seria um convite para centenas de isqueiros iluminarem o estádio, deu lugar a uma enorme onda de celulares, que dançavam ao ritmo da música, tiravam fotos ou ligavam para outras pessoas curtirem o momento.
Todo o resto do capítulo 1 seguiu uma série de composições engajadas e antibelicistas, posição sempre reafirmada por Waters em suas entrevistas. Durante “Fletcher Memorial Home”, que fala de uma espécie de asilo para tiranos e reis, fotos de Bin Laden, Saddam e Ronald Reagam desfilaram pela tela, assim como frases célebres de seus pares – o genial George W. Bush foi representado com a pérola “I just want you to know that, when we talk about war, we're really talking about peace”. O presidente norte-americano foi novamente criticado, assim como o premiê britânico Tony Blair (saudado como “o Senhor da guerra”), durante “Leaving Beirut”, que narra a passagem de Waters pela capital libanesa quando ele tinha 17 anos (a história é contada em quadrinhos no telão).
Os efeitos especiais também já começam a aparecer. Além de colunas imensas de fogo, fumaça colorida e cortinas de fagulhas, uma plataforma de petróleo é detonada em pleno palco. O famoso porco inflável, soltado durante a música “Sheep”, ostenta desta vez frases como “Bush, não estamos à venda”, “O Brasil está sendo vendido”, “Salve a Amazônia” e “Hey, killers, leave the kids alone”. Depois de circundar o estádio, o balão foi solto e se perdeu pelos ares. “Lá vai meu porco”, disse Waters, antes de abanar para a platéia e ir para o intervalo.
FIDELIDADE E REDENÇÃO
Enquanto o palco permanecia vazio, uma lua ia crescendo vagarosamente. Exatos 15 minutos depois, ela estava enorme, sinal de que Roger Waters e banda poderiam voltar para tocar na íntegra o álbum Dark Side of the Moon. Para se ter uma idéia da importância do disco, vale citar um dado da revista britânica Q. Além de ter vendido mais de 30 milhões de cópias e ficar 724 semanas na lista dos mais vendidos, estima-se que é “virtualmente impossível que se passe um minuto sem que Dar Side toque em algum lugar do planeta”.
Pela onipresença do álbum, justifica-se a emoção da platéia ao ouvir absolutos clássicos como “Time”, “Money” e “Us and Them”. Nesta etapa do show, fica clara também a modéstia e consciência de Waters. Ao invés de querer ser a estrela do espetáculo o tempo inteiro, ele dá lugar para que a banda – um conjunto excepcional de músicos, diga-se de passagem – brilhe na execução das músicas, desde receber os holofotes durante solos de guitarra, bateria, sax e teclado, até assumir os vocais, antes encabeçados por David Gilmour e Rick Wright. Waters sabe que, para se manter fiel ao álbum, precisava fazer essas mudanças. O resultado é belíssimo.
Os pontos altos são “The Great Gig in the Sky”, em que uma backing-vocal para lá de competente encara os vocais gritados originalmente por Clare Torry, e “Brain Damage”, festejadíssima pela público, que canta o verso que dá nome ao álbum a plenos pulmões. Neste ponto, surge no topo do palco um prima de laser que, assim como na capa do disco, começa a projetar raios multi-coloridos em cima da platéia. É o ápice, o Morumbi vem abaixo. Sorrindo de orelha a orelha, Waters agradece: “Vocês foram fantásticos, foi ótimo ouvir vocês cantarem”.
O bis é calcado totalmente no álbum The Wall. Para cantar “Another Brick on the Wall”, crianças do Projeto Guri sobem ao palco com camisetas em que se lê “O medo constrói muralhas”. Apesar do esperado, os jovens não cantam na música, que dá lugar ao playback original. Em seguida, sempre acompanhadas de frases de protesto, como “en cada barrio una revolución” e “Palestina libre”, são executadas “Bring the Boys Back Home”, numa referência clara ao conflito iraquiano, e “Confortably Numb”, cantada inteira pela platéia, em transe. O final redentor conta com o clichê da bandeira jogada no palco. Sem se fazer de rogado, Waters a coloca nas costas e deixa o palco, ovacionado.
Os milhares de espectadores, então, começam a deixar o estádio, sem se preocupar com as polêmicas de quem seria o gênio responsável por Dark Side, as batalhas de ego envolvendo Waters e Gilmour ou a possibilidade de ver o Pink Floyd reunido novamente (chance cada vez mais remota). Todos acabaram de ouvir mais de 200 minutos de clássicos floydianos, interpretados com uma fidelidade e emoção magistrais, anos-luz distante de ser igualada por qualquer outro conjunto. Oportunidade difícil de se conseguir novamente.
Pouco antes do espetáculo começar, os organizadores pediram a atenção do público para, durante o show, permanecer sentado em seus lugares. Apesar das vaias iniciais, a solicitação foi seguida pelos seguranças, que levaram os espectadores mais afoitos a seus assentos, e cumprida à risca a maior parte do tempo pela platéia – um show para apreciar detalhes e nuances, que primou pela fidelidade às gravações originais, além do fabuloso conjunto de atrações multimídia.
Uma tela gigantesca estava colocada no fundo do palco, com uma resolução de imagens assustadora. A definição era tão incrível que os objetos exibidos pareciam de fato estar lá. Pois o aquecimento não coube a uma banda, o que seria risível para os fãs – um rádio dos anos 50, projetado no telão, tocava old standards da música norte-americana, de “Hound Dog”, de Elvis Presley, a “My Funny Valentine”, cantada por Chet Baker. Completavam a cena baforadas de cigarro, um avião em miniatura, uma garrafa de uísque e um copo, que vez ou outra era preenchido por uma mão (a de Waters, presume-se). Mão, aliás, que mexia no dial para sintonizar melhor as músicas ou trocar estações (como no caso em que começou “Dancing Queen”, do ABBA).
Pontualmente às 21h, Roger Waters entra em cena, trajando o figurino de sempre – terno e camiseta pretos –, e lança um esforçado “obrigado”. O público recebe o baixista efusivamente, e ele retribui tocando “In the Flesh”, também escolhida para abrir os shows em sua última passagem pelo Brasil, em 2002. Os primeiros acordes da canção, acompanhados na tela por imagens de martelos marchando (do filme "The Wall"), já são suficientes para deixar os fãs emocionados. Já se ouvem frases como, “cara, acho que vou chorar”, repetidas várias e várias vezes ao longo da noite.
SUCESSOS
A primeira parte do show é composta por sucessos do Pink Floyd e algumas poucas da carreira-solo de Waters. O repertório não reserva nenhuma surpresa, já que é o mesmo em toda a turnê. Destaque para “Set the Controls for the Heart of the Sun”, em que o músico aparece literalmente no centro do sol, graças à tela, e a espacial “Shine On Crazy Diamond”, com refrão cantado em coro pela platéia. Acompanham as músicas projeções de fotos da formação original da banda, sempre com destaque para um homenageado Syd Barret. O vocalista e compositor, cuja ausência assombrou o Pink Floyd por bons anos após sucumbir à esquizofrenia e abusos com drogas, faleceu em julho do ano passado.
O momento hit universal, cantado até porque quem foi ao show só para ver como ia ser, obviamente foi “Wish you were here”. Na tela, o rádio apareceu novamente, agora com uma vela acesa, oscilando levemente. A imagem, que em tempos idos seria um convite para centenas de isqueiros iluminarem o estádio, deu lugar a uma enorme onda de celulares, que dançavam ao ritmo da música, tiravam fotos ou ligavam para outras pessoas curtirem o momento.
Todo o resto do capítulo 1 seguiu uma série de composições engajadas e antibelicistas, posição sempre reafirmada por Waters em suas entrevistas. Durante “Fletcher Memorial Home”, que fala de uma espécie de asilo para tiranos e reis, fotos de Bin Laden, Saddam e Ronald Reagam desfilaram pela tela, assim como frases célebres de seus pares – o genial George W. Bush foi representado com a pérola “I just want you to know that, when we talk about war, we're really talking about peace”. O presidente norte-americano foi novamente criticado, assim como o premiê britânico Tony Blair (saudado como “o Senhor da guerra”), durante “Leaving Beirut”, que narra a passagem de Waters pela capital libanesa quando ele tinha 17 anos (a história é contada em quadrinhos no telão).
Os efeitos especiais também já começam a aparecer. Além de colunas imensas de fogo, fumaça colorida e cortinas de fagulhas, uma plataforma de petróleo é detonada em pleno palco. O famoso porco inflável, soltado durante a música “Sheep”, ostenta desta vez frases como “Bush, não estamos à venda”, “O Brasil está sendo vendido”, “Salve a Amazônia” e “Hey, killers, leave the kids alone”. Depois de circundar o estádio, o balão foi solto e se perdeu pelos ares. “Lá vai meu porco”, disse Waters, antes de abanar para a platéia e ir para o intervalo.
FIDELIDADE E REDENÇÃO
Enquanto o palco permanecia vazio, uma lua ia crescendo vagarosamente. Exatos 15 minutos depois, ela estava enorme, sinal de que Roger Waters e banda poderiam voltar para tocar na íntegra o álbum Dark Side of the Moon. Para se ter uma idéia da importância do disco, vale citar um dado da revista britânica Q. Além de ter vendido mais de 30 milhões de cópias e ficar 724 semanas na lista dos mais vendidos, estima-se que é “virtualmente impossível que se passe um minuto sem que Dar Side toque em algum lugar do planeta”.
Pela onipresença do álbum, justifica-se a emoção da platéia ao ouvir absolutos clássicos como “Time”, “Money” e “Us and Them”. Nesta etapa do show, fica clara também a modéstia e consciência de Waters. Ao invés de querer ser a estrela do espetáculo o tempo inteiro, ele dá lugar para que a banda – um conjunto excepcional de músicos, diga-se de passagem – brilhe na execução das músicas, desde receber os holofotes durante solos de guitarra, bateria, sax e teclado, até assumir os vocais, antes encabeçados por David Gilmour e Rick Wright. Waters sabe que, para se manter fiel ao álbum, precisava fazer essas mudanças. O resultado é belíssimo.
Os pontos altos são “The Great Gig in the Sky”, em que uma backing-vocal para lá de competente encara os vocais gritados originalmente por Clare Torry, e “Brain Damage”, festejadíssima pela público, que canta o verso que dá nome ao álbum a plenos pulmões. Neste ponto, surge no topo do palco um prima de laser que, assim como na capa do disco, começa a projetar raios multi-coloridos em cima da platéia. É o ápice, o Morumbi vem abaixo. Sorrindo de orelha a orelha, Waters agradece: “Vocês foram fantásticos, foi ótimo ouvir vocês cantarem”.
O bis é calcado totalmente no álbum The Wall. Para cantar “Another Brick on the Wall”, crianças do Projeto Guri sobem ao palco com camisetas em que se lê “O medo constrói muralhas”. Apesar do esperado, os jovens não cantam na música, que dá lugar ao playback original. Em seguida, sempre acompanhadas de frases de protesto, como “en cada barrio una revolución” e “Palestina libre”, são executadas “Bring the Boys Back Home”, numa referência clara ao conflito iraquiano, e “Confortably Numb”, cantada inteira pela platéia, em transe. O final redentor conta com o clichê da bandeira jogada no palco. Sem se fazer de rogado, Waters a coloca nas costas e deixa o palco, ovacionado.
Os milhares de espectadores, então, começam a deixar o estádio, sem se preocupar com as polêmicas de quem seria o gênio responsável por Dark Side, as batalhas de ego envolvendo Waters e Gilmour ou a possibilidade de ver o Pink Floyd reunido novamente (chance cada vez mais remota). Todos acabaram de ouvir mais de 200 minutos de clássicos floydianos, interpretados com uma fidelidade e emoção magistrais, anos-luz distante de ser igualada por qualquer outro conjunto. Oportunidade difícil de se conseguir novamente.
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