9.3.07

Para os Gordinhos e também para as magrinhas









Uma Tragédia do Cotidiano



Sob qualquer ângulo que se analise a história da arte contemporânea, a obra de Botero emerge como uma obra de seu tempo. Com traços singulares ele construiu e desconstruiu a figura humana inflando-a em volumes exagerados, tratando sua sensualidade com toques de erotismo. Nos últimos dez anos, paralelamente ao glamour que o consagrou,ele registrou personagens estigmatizados pela violência que domina o cotidiano de seu povo.
A Colômbia é um dos países em que seus artistas melhor reproduzem os desmazelos do sistema, do mestre Alejandro Obregón a jovens artistas contemporâneos como Dolores Salcedo.
Bárbaro, primitivo e visceral, Botero se transforma em repórter de seu tempo e, mais uma vez, desce aos infernos da sociedade colombiana para retratar a violência movida por perseguições, torturas e assassinatos.
Botero copia Botero e apaga as fronteiras entre o Belo e seus contrários e apresenta uma obra-denúncia, provando que a arte também é a negação, o caos, o horrendo, a aberração. Desse ponto de vista, retratou cadáveres em primeiro plano, mulheres aos gritos, homens sendo trucidados, que agora correm o mundo e chegam a São Paulo, no próximo ano, uando o conjunto de 27 desenhos e 23 telas, será exposto na galeria Marta Traba, do Memorial da América Latina.
Sem abandonar suas figuras corpulentas, “barrocas”, Botero sai de seu paraíso utópico, de desdenhosos estereótipos de sensualidade e encara o submundo da sociedade colombiana para dialogar com a alma, situações indagadoras, carregadas de pavor, humilhação, ódio e vingança. No conjunto, ainda predomina a forte gramática acadêmica, repleta de corpos pesados que nos lembram fases anteriores desenvolvidas em pinturas e desenhos, mas com rupturas formais e conceitos com forte atuação política. Cada uma de suas fases está representada neste conjunto, uma espécie de inventário da transformação social, e que foi doado ao Museu de Arte da Colômbia.
O conjunto de sua obra se inscreve entre os mais expressivos da atualidade e, que neste momento, coloca um desafio para si mesma: o de superar a banalidade da vida. Ao resultado formal, que tem dividido a crítica, se sobrepõe à intenção de denúncia. Nada mais oportuno do que mostrar, neste momento de crises sociais globais, essa obra e contextualizá-la dentro do universo da violência contemporânea.
Sem título, óleo, 1999.
El desfile, óleo, 2000.
Botero é um homem de seu tempo. Nasceu em Medellín, na Colômbia, viveu na Espanha, na Itália, nos Estados Unidos, deixou-se influenciar por Gauguin e Picasso, mas logo se libertou. Imprimiu seu “traço” em formas arredondadas em que o volume delineia com precisão a busca da sensualidade. Suas telas, antes povoadas por personagens emblemáticas do culto à sensualidade da forma, ainda carregadas da influência de Gauguin e Picasso, agora dá espaço a uma aterradora alegoria da morte. A suave vibração nas superfícies macias, rechonchudas, é substituída por eletrizantes traços que desenham personagens abatidos pelo terror como se guardassem na memória o horror de seu dia-a-dia.
O grito de alerta se move numa compulsão interna, mas obedecendo uma integridade matérica que aqui é retratada sem ilusões. Cada pincelada é finalizada por uma estética brutal e incômoda, paradigma da sociedade atual que exigiu de Botero um ajuste no seu olhar sobre o Homem.
Os episódios registrados fazem parte de um inventário sangrento vivido em épocas diferentes.A reconstrução artística dos conflitos nasce da necessidade do artista de envolver-se com a dura realidade do país e colocar foco sobre os acontecimentos.
EL Cazador, óleo, 1999
Massacre, óleo, 2000
Secuestrada, óleo, 2002
Não é de hoje que Botero retrata a violência da Colômbia. Na década de 60 criou o mural Massacre dos Inocentes, e nas décadas seguintes os quadros O Assassinato de Rosa Calderón e A Guerra, em que retrata as atrocidades vividas por sacerdotes, mulheres e crianças. Seu tema continua atual e pode sintetizar a insanidade das guerras urbanas atuais, a intolerância frente às diferenças entre os seres humanos. As imagens pegam o espectador pelo estômago, fisgado pela adesão a seu discurso radical, quase panfletário. Botero dá cor à miserável condição humana, representada por um grupo social, que ele adotou por não poder calar sua indignação.



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