"Não quis fazer poemas bonitinhos, mas poemas ordinários",
descreve Bonvicino sobre "Página órfã"
RIO DE JANEIRO - O poeta Régis Bonvicino, autor de "33 poemas", lança em março o livro "Página órfã", pela Martins Editora. O escritor João Adolfo Hansen, um dos mais respeitados críticos literários brasileiros, definiu Bonvicino como um poeta que, em seu novo livro, "intensifica a barbárie da referência e dramatiza pressupostos estéticos e políticos de sua poesia sabendo coisas fundamentais, hoje arquivadas". Bonvicino concedeu ao Último Segundo uma entrevista sobre "Página órfã".
Último Segundo - "Página órfã" é uma coletânea de poemas escritos entre 2004 e 2006? Onde o leitor encontra uma unidade no livro?
Régis Bonvicino - "Página órfã" não é uma coletânea de poemas, mas um livro de poemas. Sempre criei meus livros como projetos de unidade e, agora, mais maduro, aos 52, este ato torna-se quase automático em mim. O leitor vai encontrar unidade no seguinte: tradição de vanguarda, ousadia, na construção dos poemas (e não me venham os manés, os dogmáticos da parvoíce, falarem em "concretismo" - maneira sórdida de tentar rasurar qualquer poesia que não esteja conforme a mediocridade -, porque falo de técnicas futuristas, dadaístas (nonsense), construtivistas de um modo geral (Drummond, Murilo Mendes e João Cabral no Brasil) e desconstrutivistas até, e exploração intensa de temas contemporâneos, antiliterários por natureza. Os poemas são diretos (legíveis), duros (críticos), políticos, falam de moda, de grafites, de beldades, de afetos dolorosos, de personalidades partilhadas pela mídia como Kate Moss, Gisele Bündchen, Caetano (Kaetán), de mendigos; não quis fazer poemas "bonitinhos", mas poemas "ordinários" (no sentido plurívoco da palavra), compondo uma visada pouco complacente - espero - em relação às cidades e seus clichês, às pessoas, ao Brasil e à própria idéia de "poesia" e de "arte" e inclusive a de "vanguarda" praticada entre nós - que abertamente questiono; afirmo idem que o livro não é proselitista, o que poderia parecer, pelo que acabei de dizer. Mas, como dizia Drummond, e eu concordo, quem melhor "fala" por um livro são seus poemas. US - O senhor se considera um poeta crítico, que reflete em seu trabalho cenas do cotidiano de locais públicos urbanos?
RB - "Página órfã" trabalha com o junkspace internacional e introjetado no Brasil, para usar a definição de Hansen, ou seja, a de junkspace, trabalha com o sujo. E com as escrituras sujas da cidade, como já disse, dos grafites, entre outras, como também spams de prostitutas etc. A internet é ainda considerada uma escritura suja, sem "autoridade". Por exemplo, termino o poema que dá título ao livro Página órfã, com a assinatura do autor e o título de um grafite do Nunca (24 anos), que vi na Avenida Brigadeiro Luiz Antonio: "Nunca, imitação de vida": transformei o Nunca e o seu título, num verso, aliás, admiro o trabalho do Nunca bem mais do que o da maioria argh! dos poetas e artistas plásticos do "circuito oficial". Admiro Osgemeos, que fizeram a ilustração da capa do livro. Jean Michel Basquiat me inspirou muito mais do que a leitura de poetas. O filme Muholand Drive, de David Lynch, que trabalha com a questão da imagem versus a auto-imagem etc. Quanto ao "considerar-me" de sua pergunta, não me considero nada... Um dia, há anos, disse ao poeta norte-americano Michael Palmer, aqui em São Paulo, que eu era o professor de nada! US - No dia-a-dia, é normal ouvirmos e falarmos palavras ou frases em inglês e espanhol. Na poesia, não. Qual é a função da língua estrangeira nos seus poemas?
RB: Não me considero um poeta brasileiro há muito tempo, mas um poeta que vive e escreve no Brasil. Não uso tantas palavras estrangeiras em "Página órfã", mas as uso com prazer e ideologia: essa "mestiçagem" elimina uma visão única de vida, de história, de poesia, de país, de cultura. Como observa a poeta porto-riquenha Lourdes Vasquez, a interação de línguas e culturas confronta as visões hegemônicas. US - Alguns poemas de "Página órfã" foram criados a partir da leitura de jornais, tablóides, revistas, internet? Como as notícias lhe inspiram?
RB: Sim, tudo isso. Li também o poeta chinês Yao Feng, o norte-americano Charles Bernstein e o russo Arkadii Dragomoshchenko, mais no final da criação de "Página órfã", porque, além de gostar de seus poemas, os estava traduzindo. Por exemplo, o título e o primeiro verso do poema It's not looking great foram retiradas do The Sun, inglês: Cocaine, Kate: it's not looking great!. Mas sobretudo o livro adveio de minha experiência diária no centro velho de São Paulo, na Liberdade, no Bixiga, na Avenida Amaral Gurgel etc.
Sobre o autor
Bonvicino: poeta e juizRégis Bonvicino nasceu em São Paulo, em 25 de fevereiro de 1955. Formou-se em direito pela Universidade de São Paulo em 1978. Trabalhou como articulista do jornal “Folha de S.Paulo” e de outros veículos até ingressar na magistratura, em 1990. Seus três primeiros livros, “Bicho papel” (1975), “Régis Hotel” (1978) e “Sósia da cópia” (1983) estão reunidos no volume “Primeiro tempo” (Perspectiva, 1995). Seu trabalho está traduzido para o inglês, espanhol, francês, chinês, catalão, finlandês e dinamarquês. Entre 1975 e 1983, dirigiu as revistas de poesia “Qorpo Estranho” – com três números –, “Poesia em Greve” e “Muda”. Fundou, em 2001, e co-dirige, ao lado de Charles Bernstein e Alcir Pécora, a revista “Sibila”, publicada pela Martins Editora.
Último Segundo - "Página órfã" é uma coletânea de poemas escritos entre 2004 e 2006? Onde o leitor encontra uma unidade no livro?
Régis Bonvicino - "Página órfã" não é uma coletânea de poemas, mas um livro de poemas. Sempre criei meus livros como projetos de unidade e, agora, mais maduro, aos 52, este ato torna-se quase automático em mim. O leitor vai encontrar unidade no seguinte: tradição de vanguarda, ousadia, na construção dos poemas (e não me venham os manés, os dogmáticos da parvoíce, falarem em "concretismo" - maneira sórdida de tentar rasurar qualquer poesia que não esteja conforme a mediocridade -, porque falo de técnicas futuristas, dadaístas (nonsense), construtivistas de um modo geral (Drummond, Murilo Mendes e João Cabral no Brasil) e desconstrutivistas até, e exploração intensa de temas contemporâneos, antiliterários por natureza. Os poemas são diretos (legíveis), duros (críticos), políticos, falam de moda, de grafites, de beldades, de afetos dolorosos, de personalidades partilhadas pela mídia como Kate Moss, Gisele Bündchen, Caetano (Kaetán), de mendigos; não quis fazer poemas "bonitinhos", mas poemas "ordinários" (no sentido plurívoco da palavra), compondo uma visada pouco complacente - espero - em relação às cidades e seus clichês, às pessoas, ao Brasil e à própria idéia de "poesia" e de "arte" e inclusive a de "vanguarda" praticada entre nós - que abertamente questiono; afirmo idem que o livro não é proselitista, o que poderia parecer, pelo que acabei de dizer. Mas, como dizia Drummond, e eu concordo, quem melhor "fala" por um livro são seus poemas. US - O senhor se considera um poeta crítico, que reflete em seu trabalho cenas do cotidiano de locais públicos urbanos?
RB - "Página órfã" trabalha com o junkspace internacional e introjetado no Brasil, para usar a definição de Hansen, ou seja, a de junkspace, trabalha com o sujo. E com as escrituras sujas da cidade, como já disse, dos grafites, entre outras, como também spams de prostitutas etc. A internet é ainda considerada uma escritura suja, sem "autoridade". Por exemplo, termino o poema que dá título ao livro Página órfã, com a assinatura do autor e o título de um grafite do Nunca (24 anos), que vi na Avenida Brigadeiro Luiz Antonio: "Nunca, imitação de vida": transformei o Nunca e o seu título, num verso, aliás, admiro o trabalho do Nunca bem mais do que o da maioria argh! dos poetas e artistas plásticos do "circuito oficial". Admiro Osgemeos, que fizeram a ilustração da capa do livro. Jean Michel Basquiat me inspirou muito mais do que a leitura de poetas. O filme Muholand Drive, de David Lynch, que trabalha com a questão da imagem versus a auto-imagem etc. Quanto ao "considerar-me" de sua pergunta, não me considero nada... Um dia, há anos, disse ao poeta norte-americano Michael Palmer, aqui em São Paulo, que eu era o professor de nada! US - No dia-a-dia, é normal ouvirmos e falarmos palavras ou frases em inglês e espanhol. Na poesia, não. Qual é a função da língua estrangeira nos seus poemas?
RB: Não me considero um poeta brasileiro há muito tempo, mas um poeta que vive e escreve no Brasil. Não uso tantas palavras estrangeiras em "Página órfã", mas as uso com prazer e ideologia: essa "mestiçagem" elimina uma visão única de vida, de história, de poesia, de país, de cultura. Como observa a poeta porto-riquenha Lourdes Vasquez, a interação de línguas e culturas confronta as visões hegemônicas. US - Alguns poemas de "Página órfã" foram criados a partir da leitura de jornais, tablóides, revistas, internet? Como as notícias lhe inspiram?
RB: Sim, tudo isso. Li também o poeta chinês Yao Feng, o norte-americano Charles Bernstein e o russo Arkadii Dragomoshchenko, mais no final da criação de "Página órfã", porque, além de gostar de seus poemas, os estava traduzindo. Por exemplo, o título e o primeiro verso do poema It's not looking great foram retiradas do The Sun, inglês: Cocaine, Kate: it's not looking great!. Mas sobretudo o livro adveio de minha experiência diária no centro velho de São Paulo, na Liberdade, no Bixiga, na Avenida Amaral Gurgel etc.
Sobre o autor
Bonvicino: poeta e juizRégis Bonvicino nasceu em São Paulo, em 25 de fevereiro de 1955. Formou-se em direito pela Universidade de São Paulo em 1978. Trabalhou como articulista do jornal “Folha de S.Paulo” e de outros veículos até ingressar na magistratura, em 1990. Seus três primeiros livros, “Bicho papel” (1975), “Régis Hotel” (1978) e “Sósia da cópia” (1983) estão reunidos no volume “Primeiro tempo” (Perspectiva, 1995). Seu trabalho está traduzido para o inglês, espanhol, francês, chinês, catalão, finlandês e dinamarquês. Entre 1975 e 1983, dirigiu as revistas de poesia “Qorpo Estranho” – com três números –, “Poesia em Greve” e “Muda”. Fundou, em 2001, e co-dirige, ao lado de Charles Bernstein e Alcir Pécora, a revista “Sibila”, publicada pela Martins Editora.
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