Toda vez que alguém usa o termo “polêmico” para descrever algo, começa o burburinho. Dessa vez o alvo é a exposição Corpo Humano: Real e Fascinante, em cartaz na Oca, em São Paulo. Não é para menos. Lá você pode encontrar um grupo de cadáveres – no total são 16 corpos e 225 órgão humanos – todos dissecados e tratados com uma técnica chamada polimerização. O processo é o seguinte: o corpo é colocado em um tanque, onde sua água é substituída por acetona. Depois ele vai para uma câmara de pressão, que faz com que toda a acetona evapore. O próximo passo é mergulhá-lo em silicone líqüido, até que ele se hidrate e fique com o aspecto emborrachado (e quase sem cheiro).
O responsável por essa exposição é o médico e ex-professor de medicina Roy Glover, que já trabalha com anatomia há 30 anos e esteve no Brasil para divulgar sua obra. Ele costuma ser comparado com o alemão Gunther von Hagens, o primeiro a fazer esse tipo de exposição com corpos, mas com uma abordagem artística (ele já fez uma “adaptação” da Vênus de Milo com Gavetas, de Salvador Dalí). Apesar de ter cartazes da exposição até em banheiros de restaurante pela cidade, Dr. Roy Glover dispensa o título de “pop” e diz que a sua única missão é educar. Confira a entrevista:
Não é um pouco estranho trabalhar com cadáveres?
Se você gosta do seu trabalho, se ele é interessante para você, não há nenhum problema. Eu sempre pensei no meu objetivo principal, que é ensinar o público sobre seu próprio corpo.
Qual o público dessa exposição?
Em geral, ela é feita para o público em geral, para pessoas que não sabem muito sobre o próprio corpo. Nossa exposição é para a família: para os adultos e para as crianças observarem e aprenderem. Há também muitos estudantes de medicina, que vêm, aprendem e ficam bastante animados. Médicos também vêm e ficam impressionados, mas essa é uma reação comum entre todos que vêm. Então, a exposição é para todo mundo. Nós todos temos um corpo e todos precisamos aprender a entendê-lo melhor.
Qual a reação mais comum?
É muito positiva. Há um livro de visitas, onde todos escrevem comentários. Todo mundo que escreve diz coisas positivas sobre o que viu. Eles costumam dizer que aqui tiveram oportunidade de ver de perto coisas que até então só puderam ler a respeito; que as coisas estão explicadas claramente, que elas conseguem ver como algumas coisas [erradas] que eles fazem podem causar danos ao corpo. Todos saem daqui com a idéia de que devem cuidar melhor do seu corpo, e isso é muito importante para nós.
Por que, entre os corpos expostos, há mais homens que mulheres?
Nós trabalhamos com um parceiro na China, que prepara os corpos para nós. Mas os corpos da exposição são todos doados por essas pessoas primeiramente para escolas de medicina, que só então fornecem para o nosso parceiro. Basicamente, só podemos usar o que o nosso parceiro consegue. É óbvio para nós, então, que há mais doadores homens que mulheres.
E você acha que há um motivo para que isso aconteça?
Poderia ser que as mulheres da China são mais saudáveis que os homens. É melhor pensar por esse lado positivo do que pelo negativo.
Como você diagnostica doenças nesses corpos?
Quando os corpos vêm para a gente, não sabemos quem foram essa pessoas, não sabemos sua idade ou nome, pois essas informações são confidenciais, onde quer que trabalhemos. Mas quando olhamos seus corpos podemos descobrir muito sobre essas pessoas. Se você olhar seus pulmões e ver quão escuros eles estão, por exemplo, você pode deduzir que estão doentes. Se você olha para seus ossos e vê que eles já estiveram quebrados, pode dizer se foram “colados” corretamente ou não.
Examinar esses corpos pode ajudar a obter informações sobre a vida dessas pessoas e os hábitos que elas podem ter cultivado durante a vida. A maioria dos que estão em nossa exposição têm pulmões muito doentes. Eu suspeito que essas pessoas fumaram quase a vida toda. Apesar disso, seus músculos são saudáveis. Mas se os pulmões não são saudáveis, seus corpos vão sofrer por isso mesmo assim.
Mesmo que alguém da minha família morra e eu tenha conhecimento de que são doadores, não é possível reconhecê-los na exposição?
A idéia é que esses corpos sejam anônimos, não queremos que sejam reconhecidos. Eu acho que para isso é importante remover a pele. Você pode ver que a maioria dos corpos está sem pele; é a pele que diz mais sobre sua aparência. Nós não fazemos a exposição para que as pessoas reconheçam os corpos ou vejam sua aparência, mas queremos que elas vejam o que está sob a pele, isso é o mais importante para nós. A confidencialidade do processo é importante, não importa onde trabalhemos, e queremos respeitar isso onde quer que levemos a exposição.
Qual a parte do corpo mais difícil de submeter a esse processo?
Ah, o cérebro é mais difícil de preservar, porque ele é composto basicamente de água e gordura. Há só um pouco de tecido dentro do cérebro que serve para dar suporte. É preciso mais cuidado, então, pois há mais riscos de encolhimento.
E qual a parte mais fácil do trabalho?
Quase tudo é bem fácil de fazer. Costumo dizer que é como cozinhar: se você faz tudo certo, o produto final acaba ficando bom. Se você segue bem as instruções – e a maior parte da preservação é só uma questão de seguir instruções – o produto final é o que queríamos que fosse. Eu poderia ensinar a você como fazer o mesmo em apenas um dia. É simples, só é preciso os equipamentos adequados e as substâncias certas, além de um local apropriado. Mas posso dizer que é mais complicado separar algumas partes, principalmente os ligamentos e articulações.
Há uma polêmica envolvendo o trabalho do médico alemão Gunther von Hagens, que faz um trabalho bem parecido com o seu. Você acha que seu trabalho é mais aceito na sociedade? Por quê?
Ele é meu amigo, estamos no mesmo “negócio”: nós dois trabalhamos no ramo de educação e apoiamos um ao outro. Eu acredito que ele está fazendo um bom serviço ao levar sua exposição para o público, e ele pensa o mesmo sobre nós. Nós vivemos em um mundo grande, então há espaço para nós dois expormos nossos trabalhos.
Qual a diferença entre os dois?
Para mim é difícil dizer. Nossa exposição é basicamente sobre ciência e educação. Eu acredito que ela é a melhor, porque, obviamente, eu estou envolvido com ela. Os corpos tem a aparência parecida, o conteúdo também é basicamente o mesmo. Já o layout da nossa exposição é diferente; e acho que melhor. Eu estive diretamente envolvido com a montagem da exposição também, e fiz questão de começar pelo mais fácil e evoluir para as informações mais complexas sobre o corpo, e acho que é a melhor forma de aprender.
Eu dei uma olhada no livro de visitas daqui, e pude ver que muitas pessoas agradeceram pelo corpo humano ser “perfeito”. Você diria que nosso corpo é uma máquina perfeita?
No início, nosso corpo é perfeito. Mas muitas vezes ele não vai até o fim perfeitamente. Isso é porque fazemos coisas com ele que são nocivas. Fumar é uma delas. Dizem que ao consumir um maço de cigarros você perde duas horas e meia de vida. Alguns alimentos afetam o coração e a circulação do sangue; a falta de exercícios e descanso. Se usamos drogas não prescritas, tudo isso é sentido pelo nosso corpo. Tentamos ensinar então que todas as decisões que tomamos afetam diretamente a nossa saúde.
Algumas pessoas dizem “Não é lindo?” E eu respondo “Claro que é lindo, é o seu corpo”. Dizem “É artístico!” E eu digo “Se você pensa que é artístico, eu não vou tentar mudar sua idéia”. Se você olha para a exposição e começa a prestar atenção nos detalhes, você pode ver muitas coisas que são bonitas e artísticas no corpo humano, e aprende que é preciso cuidar muito bem dele.
Corpo Humano: Real e Fascinante
Site oficial: www.exposicaocorpohumano.com.br
Local: OCA – Pq. do Ibirapuera, Portão 03 (1º andar - Acesso p/ deficientes e Ar condicionado) Endereço: Avenida Pedro Álvares Cabral, s/nº. Horários: de segunda a sexta-feira, das 9h às 19h; sábados, domingos e feriados, das 10h às 20h. Classificação etária: Livre - menores de 12 anos acompanhados do responsável. Preço: R$ 30 - inteira / R$ 15 - meia-entrada (De 0 a 2 anos – grátis e de 3 a 6 anos – meia-entrada) Agendamento de escolas: Diverte Cultural: (11) 3666-9990/
Telefones para informações: 6846-6000/ Venda a grupos: 6846-6166 / 6232
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