16.4.07

Paulo Emílio...

Perfil

Paulistano de Higienópolis, nascido em 1916 e vivo até 1977, Paulo Emílio inicia atividade intelectual em 1935, aos 18 anos. Discípulo de Oswald de Andrade, devora avidamente qualquer suspeita de modernidade: comunismo, aprismo, Flávio de Carvalho, Mário de Andrade, Segall, Malfati, Gilberto Freyre, André Dreyfus, Lenin, Stálin, Trotski, Meyerhold, etc. Neste impulso caótico de entusiasmo modernista, diante de uma certa debilidade do pensamento brasileiro em orientar-se na problemática da realidade nacional, Paulo Emílio aposta, desde o começo, numa contribuição objetiva da atividade intelectual à sociedade.Aluno de Filosofia na USP e membro da Juventude Comunista, Paulo participa de comícios da Aliança Nacional Libertadora e escreve para jornais de esquerda. Seus artigos, ideológica e esteticamente influenciados pela primeira fase do modernismo paulista, apontam sua opção pelo paralelismo entre pensamento artístico e político, e um certo comunismo romântico, visto como movimento libertário e resposta redentora da humanidade à crise moderna e à Primeira Guerra Mundial. Para Paulo, entre muitos que então acreditam na política como caminho evolutivo e fonte de respostas universais, a militância é uma necessidade histórica e pessoal. Em dezembro de 35, os comunistas ensaiam um golpe militar mal sucedido. Numa violenta reação, Paulo Emílio é preso pela polícia política do Estado Novo, pouco antes de completar 19 anos. Subitamente encarcerado numa cruel realidade, depois de um ano e meio, Paulo Emílio consegue fugir do presídio do Paraíso. Num lance cinematográfico, escapa por um túnel construído com outros presos, e, ajudado pela família, embarca para Paris. Entre 37 e 39, numa Paris povoada por exilados políticos do fascismo, do estalinismo e do nazismo, o jovem Paulo Emílio experimenta mais do que liberdade jurídica, uma libertação intelectual, com acesso irrestrito à informação e à reflexão, que ilumina sua trajetória e altera a fundo sua visão política.Estalinista fiel à norma do PC Brasileiro, Paulo entra em contato com a literatura de denúncia e com bolchevistas dissidentes de esquerda que o convencem da natureza brutal e equivocada do estalinismo. Tal decepção é chamada por Paulo de “apocalipse comunista”, por seu impacto emocional sobre gerações de intelectuais, de certa forma incompreensível para a maioria conservadora.Paralelamente, neste período de auto exílio acontece sua grande descoberta do cinema como arte moderna, e das possibilidades do pensamento crítico como forma de reflexão social. Em 1939, Paulo Emílio deixa a Europa à beira da Segunda Guerra. E além de uma fértil simbiose entre as paixões pela política e pelo cinema, traz na bagagem uma nova noção de socialismo: independente, local, contrário à intolerância ideológica e ao totalitarismo, e favorável à revolução social guiada pela liberdade individual e pelos valores da civilização ocidental. Portanto, contrário ao stalinismo, ao trotskismo, ao fascismo e à ditadura Vargas.Em 1940, depois de causar desconforto com sua nova posição política, Paulo Emílio volta ao meio universitário e cria o “Clube de Cinema” da faculdade de Filosofia da USP, protótipo pioneiro de suas realizações futuras. No ano seguinte, aos 25 anos, Paulo Emílio edita, com Décio de Almeida Prado e Antônio Cândido, a revista de cultura “Clima”, publicação cosmopolita que renova o debate sobre arte, modernismo, política e radicalismo. Com a entrada do Brasil na Segunda Grande Guerra, os editoriais de Paulo Emílio marcam posição antifascista e denunciam a filiação sombria de forças políticas locais como o Integralismo e setores Getulistas.A partir de 46, Paulo passa 10 anos na França, entre realizações importantes como o livro sobre o cineasta Jean Vigo e sua colaboração com a Cinemateca Francesa, e desempenha papel de ponte entre o cinema europeu e a cultura cinematográfica brasileira em formação. De volta ao Brasil, em 1956, une-se a velhos companheiros do “Clube de Cinema” e da militância crítica para fundar a Cinemateca Brasileira, sua maior realização. Autor de palavras precisas, que iluminam aspectos fundamentais da cultura e da formação social brasileira, nascidas de sua intimidade com a arte, a literatura, e de uma postura apaixonada pela vida,Paulo Emílio eleva as possibilidades dos estudos cinematográficos no Brasil a um patamar libertador, viabilizando pesquisas para a constituição de uma memória nacional.

1. A Cinemateca Brasileira surgiu a partir da criação do Clube de Cinema de São Paulo, em 1940. Seus fundadores eram jovens estudantes do curso de Filosofia da USP, entre eles, Paulo Emilio Salles Gomes, Decio de Almeida Prado e Antonio Candido de Mello e Souza. O Clube foi fechado pela polícia do Estado Novo. Após várias tentativas de se organizarem cineclubes, foi inaugurado, em 1946, o segundo Clube de Cinema de São Paulo. Seu acervo de filmes constituiu a Filmoteca do Museu de Arte Moderna (MAM), que viria a se tornar uma das primeiras instituições de arquivos de filmes a se filiar à FIAF - Fédération Internationale des Archives du Film, em 1948. Em 1984, a Cinemateca foi incorporada ao governo federal como um órgão do então Ministério de Educação e Cultura (MEC) e hoje está ligada à Secretaria do Audiovisual. A mudança da sede para o espaço do antigo Matadouro Municipal, cedido pela Prefeitura da cidade, ocorreu a partir de 1992. Seus edifícios históricos, inaugurados no século XIX, foram tombados pelo Condephaat – Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico do Estado de São Paulo, e restaurados pela entidade. 2. Nos anos 60, o esforço museológico de Paulo Emílio vale um convite de Antônio Cândido para integrar o corpo docente da USP, onde orienta uma geração de pesquisadores, dando vida à pesquisa cinematográfica antes mesmo de sua formalização na esfera acadêmica. Mais tarde, como professor universitário da ECA, funda uma linha de pesquisa acadêmica cinematográfica e forma gerações de realizadores e teóricos do cinema brasileiro.3. O estilo de ação e liderança de Paulo Emilio causa impacto sobre seus contemporâneos, alunos e colegas da USP, no curso de cinema da Escola de Comunicações e Artes criado em 1967, ou na Universidade de Brasília, quando a implantação da uma revolucionária experiência acadêmica é interrompida pelo regime militar, em 1965.4. Paulo Emílio dá rumo ao arquivo cinematográfico Brasileiro, a filmoteca do MAM, e batalha apoio do Estado a uma política de conservação do patrimônio cinematográfico nacional. 5. O pensamento original e a trajetória de Paulo Emílio são peças chave na renovação da arte da crítica no Brasil. Imprimindo conhecimento e sensibilidade política à pratica da pesquisa cinematográfica, inserem o cinema na cultura nacional, e a reflexão sobre a imagem nas grandes questões do século vinte.6. O professor universitário Paulo Emílio disfarçava com certo charme seu engajamento político leal e permanente. Como pioneiro da crítica ao stalinismo, com seu carisma intelectual, sua voz poderosa, pensamentos claros e presença física marcante, seria natural seguir carreira política. No entanto, auspiciosamente, segue outro caminho, mais particular e criativo.

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