9.4.07

Ah...o amor!

João Silvério Trevisan fala do amor que nasce da dor


SÃO PAULO – Quinta-feira santa num apartamento de um michê na Praça Roosevelt. Ele, o michê, recebe um cliente, um policial casado e pai de três filhos que mora na zona leste da capital. Ele, o cliente, se tornou o master – mestre sadomasoquista – e os dois estão no meio de uma sessão sadomasoquista. Esse é o panorama do monólogo “Hoje é Dia de Amor”, de João Silvério Trevisan, que pretende falar do amor a partir do prisma da dor. A estréia será nesta quinta-feira (12), 19h, no Espaço dos Satyros 1.
Dirigida pelo pernambucano Antonio Candengue, o monólogo integra o projeto “E se Fez a Praça Roosevelt em Sete Dias” que terá, a cada dia da semana, um espetáculo diferente, com um elenco diferente, um autor diferente e um diretor diferente. Esse projeto encerra a “Trilogia da Praça Roosevelt” que já colocou em cena os espetáculos “Transex” e “A Vida na Praça Roosevelt”.
“Hoje é Dia de Amor” situa-se na quinta-feira do projeto e aborda a prostituição masculina, o universo sadomasoquista e sua intrínseca manifestação do amor por meio da dor, entre outros temas, colocando lado a lado, sagrado e profano na figura do michê que, além de ter sido seminarista, o que lhe deu oportunidade de conhecer a bíblia, busca ser um mártir suportando dores físicas e humilhações.
A dor física e as humilhações são provas suportáveis perto da dilacerante dor psicológica de uma solidão desesperada, da sufocante perda da fé no porvir. O que resta para esse michê? Somos esse michê? O que resta do amor? O que é o amor? Onde ele se esconde? Essas e outras reflexões são despertas aos espectadores de “Hoje é Dia de Amor”.
Em entrevista a Michel Fernandes, João Silvério Trevisan fala mais sobre seu monólogo que traz o ator Gustavo Haddad na pele do michê.
Michel Fernandes - Qual a razão principal que motivou você a falar sobre o amor a partir da figura de um michê?
João Silvério Trevisan – De uma coisa tenho certeza: não utilizei o personagem de um michê para fazer uma abordagem sociológica. Minha intenção foi abordar esse universo justamente pelas possibilidades reflexivas e poéticas aí encontráveis. No imaginário homo, a figura do michê é quase mítica. No mínimo, contraditória. No geral, rodeada de mistério. Acho que isso tem a ver com a vivência à beira do abismo, no sentido de que não é fácil ser objeto do desejo mediado pelo dinheiro. É uma espécie de amor às avessas. Além do mais, vender seu corpo sempre foi algo mais associado às mulheres. Um macho que se prostitui é um fato que gera estranheza. O tema que estou tratando na peça é também um tema que bordeja o abismo: a tentativa de transformar a dor em prazer. Isso se acirra quando inserido numa cena assumidamente sadomasoquista. O amor nasce do meio das pedras da dor. Mas será isso suficiente para domar a dor?
Michel Fernandes - Qual a conexão você procura entre o sagrado e o profano em sua peça?
João Silvério Trevisan – O sagrado e o profano têm um radical comum. O teatro, por exemplo, derivou dos ritos sagrados de Dioniso. Em certas culturas antigas, a prostituição era uma profissão ligada à deusa e praticada nos templos. Antes do cristianismo, religiosidade e erotismo ocupavam terrenos contíguos, considerando que o elemento erótico sempre aponta para a explosão anti-tanática e ao êxtase. Minha peça aproxima Deus, dor e prazer. Mas essa aproximação não funciona como uma panacéia. O michê meu personagem pretende encontrar no seu Master um Salvador, numa alegoria da procura de Deus. No final, tudo vira do avesso, outra vez. E sobra a pergunta: o que fazer com nossa dor, se os céus desabaram sobre nós?
Michel Fernandes - Em “Devassos no Paraíso” (livro de Trevisan) você faz um retrato do universo dos michês da década de 1990. Nesses quase 20 anos que se passaram como estão os michês de hoje? Você acha que as preocupações com o preconceito amenizaram? Quais as principais dificuldades que você quer metaforizar com a peça?
João Silvério Trevisan – Eu nunca me aprofundei no universo dos michês enquanto fenômeno sociológico. Minha aproximação metaforizante parte da consideração de que o michê vende prazer. E a peça discute justamente a mescla dor e prazer, levadas ao extremo na cena SM (sadomasoquista). Ao abordar esse universo onde o prazer tem espaço absoluto, minha intenção foi justamente chegar ao contrário: abordar o esforço humano para vencer a dor que nos atinge em todos os momentos e diante da qual vivemos absolutamente desprotegidos.
Michel Fernandes - A linguagem que você utiliza na peça é coloquial? Quais são os principais dramaturgos que te servem de referência?
João Silvério Trevisan – Uso a linguagem coloquial, mas nem por isso faço uma abordagem naturalista. Isso está claramente expresso na solução cênica adotada, com quatro painéis do pintor Paulo Sayeg, que não se norteiam pela semelhança com o que seria o quarto de um michê. Não sei dizer quais seriam meus dramaturgos-musos. Eu quis apenas colocar em cena um ator acorrentado, cujos movimentos fossem dificultados, tentando superar a dor pelo treinamento. Queria fazer um teatro mínimo. E daí extrair emoção e expressão poética.
Michel Fernandes - Em que seu texto mais se aproxima do universo da Praça Roosevelt?
João Silvério Trevisan – O universo da praça Roosevelt é típico da decadência das grandes cidades. Essa decadência afrouxa parâmetros e permite grande diversidade: ali skatistas se misturam com travestis, mendigos e drogados e representantes de várias tribos urbanas à margem. Os seres humanos socialmente mais marginalizados procuram locais onde o controle é menor. Não nos esqueçamos que são também lugares mais baratos de se viver. São lugares emblemáticos da crise urbana. Em minha peça, estou falando da crise humana perante a dor. Nada mais adequado, portanto, do que aproximar as duas crises: a urbana e a humana.
Michel Fernandes - Você acompanha a trajetória dos Satyros desde o princípio. Em que sentido eles transformaram a trajetória da Praça Roosevelt?
João Silvério Trevisan – Convivo com os Satyros desde a década de 1980, em São Paulo. Ao se instalar na praça Roosevelet, eles se misturaram a essa intensa diversidade urbana e deram uma guinada subversiva, encabeçada por uma atividade cultural de ponta, também ela inspirada na crise. No final, conseguiram realizar um teatro pobre e inventivo, a partir de uma situação de extrema carência social. A poesia dos Satyros deu vida ao concreto da Roosevelt.
Serviço
"E se fez a Praça Roosevelt em 7 dias" sempre às 19h00 duração dos espetáculos: 60 minutos
"Domingo: Uma pilha de pratos na cozinha"
"Segunda-feira: O amor do sim"
"Terça-feira: Na noite da praça"
"Quarta-feira: Impostura"
"Quinta-feira: Hoje é dia do amor"
"Sexta-feira: A Noite do aquário"
"Sábado: Assassinos, suínos & outras histórias na Praça Roosevelt"
Espaço dos Satyros Um Praça Roosevelt, 214 Tel. 3258 6345
Lotação: 70 lugares Acesso à deficientes possui ar-condicionado possui estacionamento (R$ 5,00)
Ingressos: R$ 10,00 (inteira) e R$ 5,00 (estudantes, classe artística, terceira idade e moradores da Praça Roosevelt)
Passaporte para os 7 espetáculos: R$ 50,00 (inteira) e R$ 25,00 (estudantes, classe artística, terceira idade e moradores da Praça Roosevelt)

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