13.4.07

Ah...esse cara tem me consumido!

O anti-“Código Da Vinci”

“Maria”, filme de Abel Ferrara que estréia hoje no Brasil, tem um ponto de partida muito semelhante ao de “O código Da Vinci”: a idéia de que Maria Madalena foi uma figura histórica mais importante e mais íntima de Jesus Cristo do que a Igreja Católica nos quer fazer crer. De resto, porém, eles não poderiam ser mais diferentes.
De resto, porém, os filmes não poderiam ser mais diferentes. Embora tenha sido lançado alguns meses antes, “Maria” pode ser visto como a resposta do bom cinema ao marketing de “O código Da Vinci” (e, em menor grau, a outros equívocos recentes como “A Paixão de Cristo” ou “Jesus - A história do nascimento”).
“O código Da Vinci” contenta-se em ser uma ilustração resumida do livro de Dan Brown que o originou, em que um simbologista e uma criptóloga descobrem que Maria Madalena teria se casado com Jesus e gerado descendentes, algo que a ordem religiosa Opus Dei tenta esconder a todo custo. É um filme convencional, que recorre às fórmulas do thriller policial para encobrir os buracos de sua tese central.
Já “Maria” é uma bem-sucedida mistura de filme narrativo e ensaístico, que prefere semear a dúvida a empurrar certezas. Sua primeira cena é a de um filme dentro do filme, supostamente uma adaptação do Evangelho de Maria. Nele, Maria Madalena surge como o apóstolo mais próximo de Jesus (mas não como sua mulher), o único a quem ele teria revelado certos segredos, algo que é questionado por Pedro.
Esse filme dentro do filme será o ponto de intersecção entre os três protagonistas de “Maria”. A atriz Marie Pilesi (Juliette Binoche), que interpreta Maria Madalena, fica de tal forma obcecada com sua personagem que decide permanecer em Jerusalém após o término das filmagens para buscar algum tipo de iluminação espiritual. O diretor Tony Childress (Matthew Modine), que também interpreta Jesus, vê seu filme ser alvo de protestos e ameaças da comunidade católica, inconformada com o revisionismo que ele promove com o Novo Testamento.
O último vértice do triângulo é o jornalista Ted Younger (Forest Whitaker), que apresenta um programa de TV sobre a vida de Jesus Cristo e tenta marcar entrevistas com Pilesi e Childress. Sua dedicação ao trabalho (e a outras mulheres) leva a um desgaste em seu casamento com a esposa grávida, que acaba dando à luz a um menino com problemas de saúde quando Ted está ausente.
A questão central de “Maria” é o desejo ou a necessidade de ter fé, e cada personagem lida com a questão de maneira distinta. Marie consegue sair de sua crise pessoal ao abraçar a religião; Tony permanece descrente mesmo depois de interpretar Jesus; Ted só recorre a Deus quando se sente culpado pela doença do filho.
Cineasta católico por formação e feminista por escolha, Ferrara (“Vício frenético”, “Olhos de serpente”) não esconde sua preferência pela iluminada Marie e seu desprezo pelo narcisista Tony; ao pecador arrependido Ted (talvez a figura mais próxima de um alter ego de Ferrara), ele abre a possibilidade de redenção.
Para alguns colegas de crítica que respeito muito, “Maria” não é apenas a volta por cima de Ferrara (que não realizava um filme memorável há alguns anos), como também uma obra-prima do cinema contemporâneo, com várias fios narrativos muito bem urdidos (o filme dentro do filme, as entrevistas de Ted, as histórias dos protagonistas).
Eu acredito que o filme poderia chegar a tanto, se não fosse seu terço final. O cineasta nos oferece três personagens com trajetórias fascinantes. Mas não nos dá indícios suficientes para acreditar na ligação íntima que se estabelece entre eles. Para um filme sobre a crença, é um pecado - mas certamente não tão grande quanto os de “O código Da Vinci”.

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