19.4.07

BY WEL....

DE HENRY MILLER A LAWRENCE DURREL


Big Sur, 31 de outubro de 1959.


Esta manhã, depois de passar três horas em arrumação por aqui, sentei-me num banco debaixo do carvalho (um banco de igreja que minha irmã me desencantou num templo Batista) e principiei a ler as provas do São Francisco de Delteil. Li apenas o prefácio (vinte páginas) e fiquei delirante. Já lhe escrevi várias vezes sobre o Delteil, recomendando-lhe que o conhecesse mais de perto. É um santo moderno, que sabe escrever. (Escreve na cama, com uma pena de pato, antes do pequeno almoço.)
Mas saber você de que fala o Joseph no seu prefácio? Ele quer que recomecemos tudo de novo, desde o princípio. Regresso ao Paraíso, nada menos. Eu pensava ser o único idiota que falava dessa maneira. Não se pode nunca retroceder? Tolice – Exclama ele. Por que havemos de mudar o mundo? Mudai de mundos! (S. Francisco) Ele fala da pobreza, de Francisco a ter escolhido. Liberdade na pobreza. Não essa espécie miserável e dolorosa de pobreza, mas o privilégio de ser pobre, o privilégio, em suma, de rejeitar tudo aquilo que não necessitamos, que não pedimos, que não queremos, que não podemos utilizar, etc. Em resumo, uma mochila e simplicidade de espírito. Para Francisco, diz ele, tratava-se de deitar fora, de repudiar completamente 30 mil anos de civilização. Aquilo contra que ele pregava, ao elogiar a santa ignorância, era a nossa cultura livresca, as nossas loucas e mortíferas ciências.
Familiar? Demasiado, talvez. Recordo a sua gargalhada desdenhosa quando me restituiu o livro de Maillet. O verdadeiro Cristo! Que Ingenuidade! – disse você. Existiu realmente Jesus?, etc. Como se importasse que tivesse vivido ou não um homem chamado Jesus. Ele vive. E nós ou vivemos nele ou não vivemos. Sócrates, Gautama, Milarepa, o conde de Saint-Germain viveram? Surpreenda-me, se puder! Eu creio. Eu sei. Não fale de Deus – seja Deus! Encontre o lugar, a fórmula (Rimbaud). Ecrasez l'infâme! Ou como traduz Lord Buckley: "Apaguem esse terror!"
A Larry, não é que a vida seja demasiado breve, é que é eterna.

Henry.


Extraido do livro de fotografias:
QUANDO O CARTEIRO CHEGAR
de: Mário Rui Feliciani

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