– “Os Mutantes” são para essa metrópole, a maior da América do Sul, o que Grateful Dead representa para São Francisco, o Velvet Underground para Nova York ou Nirvana para Seattle. Bem colocado, eles são uma banda emblemática associada com um lugar, um tempo e um estilo pop em particular.
Ao contrário de seus similares americanos, “Os Mutantes” ainda tocam, por mais improvável que isso possa parecer dado sua história pessoal, política e comercial. Depois de três décadas separados, os integrantes da banda se reuniram ano passado para um show em Londres, gostaram dos resultados e agora estão fazendo turnês e escrevendo de novo, 40 anos depois de eles começarem a ensaiar no porão da casa dos irmão Sérgio e Arnaldo Dias Baptista.
Aqui, onde em sua primeira encarnação eles eram constantemente perseguidos por uma ditadura militar que achava seu estilo de vida hippie e letras psicodélicas ameaçadoras, o retorno deles foi celebrado. Eles recentemente ganharam o equivalente brasileiro do Grammy como melhor banda e estiveram na estrada na maior parte do ano, tocando para públicos onde os fãs que não eram nem nascidos quando eles se separaram são o maior segmento.
Talvez ainda mais surpreendente, na última década “Os Mutantes”, que se apresentarão no Lincoln Center Festival em Nova York nesta terça-feira, emergiram como favoritos cults de uma geração mais jovem de músicas no mundo que fala inglês que elogiam a banda como pioneiros não honrados. Beck chamou uma de suas faixas de “Mutations” em homenagem à eles, e outros admiradores vão de Nelly Furtado, David Byrne, Sean Lennon até Devendra Banhart Em 1999, o selo Byrne´s Luaka Bop fez uma compilação das músicas da banda, chamado “Tudo É Possível!”, que estimulou mais curiosidade. Desde então, interesse entre especialistas em pop aumentaram a um ponto que o catálogo inteiro dos “Mutantes” agora está disponível nos EUA, incluindo “Technicolor”, um disco em inglês que estava padecendo nos arquivos da empresa desde 1970.
“Normalmente você só tem uma chance na vida de fazer algo realmente especial e significativo, e isso se você tiver sorte”, disse Sérgio Dias, o guitarrista de 56 anos da banda. “Mas recebemos uma benção especial que veio duas vezes e nós podemos realmente aproveitar o que está acontecendo”.
Junto com os cantores e compositores Caetano Veloso, Gilberto Gil e Tom Zé, Os Mutantes foram os fundadores do Tropicalismo, o movimento de contracultura controverso que surgiu aqui no final dos anos 60. Eles ajudaram a introduzir instrumentos elétricos e ritmos de rock à música popular brasileira e usando uma técnica de colagem de cortar e colar e com um gosto pela ironia, eles definiram uma estética que domina grande parte da música pop atual. Como os generais que dominavam o Brasil de 1964 até 1985 rotulavam Os Mutantes como apóstolos perigosos do sexo, drogas e rock ´n´roll, os shows do grupo eram muitas vezes interrompidos ou invadidos de surpresa. Não que Os Mutantes não gostavam de seu papel como provocadores: Dias zombava dos militares fazendo os shows em um uniforme de Napoleão, enquanto seu irmão Arnaldo Baptista, o baixista e tecladista da banda, usava um manto de padre e a cantora, Rita Lee, aparecia com um vestido de noiva. A vida depois do rompimento da banda no final dos anos 70 não foi fácil também, especialmente para Baptista. Em 1982, ele caiu da janela da ala psiquiátrica do hospital onde ele estava internado depois de anos usando LSD e outras drogas. Ele fraturou seu crânio, entrou em coma, e recebeu alta quatro meses depois, após uma cirurgia e terapia.
“Foi um milagre ter sobrevivido”, disse Baptista, frágil e hesitante aos 58 anos. “Ás vezes eu falo coisas que as pessoas não entendem” como resultado do acidente e da medicação que ele tomou, “mas como a música dos Stones diz, você não consegue sempre o que você quer”.
A carreira de Sérgio Dias, em contraste, seguiu um rumo itinerante porém mais convencional. Ele se mudou para Nova York em 1980 e permaneceu lá por uma década, tocando com músicos que pensavam igual, muitos com uma orientação de fusão de jazz, desde bandas como Frank Zappa, John McLaughlin, Jan Hammer e Lou Reed até fazer um duo com o guitarrista Phil Manzanera, da Roxy Music.
“A coisa sobre estar nos Mutantes é que eu sempre tocava com as mesmas pessoas, porque a banda era um universo muito forte e unido”, ele explicou. “Como eu tinha muito pouco contato com outros músicos, ir para os EUA foi o começo de algo novo para mim, tocando em estilos diferentes e tendo que me provar”.
O terceiro âncora da banda, o bateirista Ronaldo Leme, conhecido como Dinho, eventualmente deixou o mundo da música de uma vez. Ele começou uma empresa de relações públicas, trabalhando primeiro em boates e depois representando motoristas de Fórmula 1 e de stock car no Brasil.
“Quando chegou os anos 80, a música era muito ruim, e eu odiava estar na rua às três da manhã fazendo publicidade para uma boate que eu nem gostava”, ele disse. “Para mim, Os Mutantes havia acabado, mas eu sentia falta da bateria e tocava sempre que podia e ouvia muitos discos que eu não ouvia antes, principalmente jazz, como Stanley Clarke e Jimmy Smith, além de Frank Sinatra”.
A cantora original, Rita Lee, está fora dos Mutantes atuais, para o horror dos fãs mais linha-duras tanto aqui como no exterior. Ela foi afastada da banda em 1972, mas tem uma carreira solo muito bem sucedida como estrela pop e, mais recentemente, apresenta um programa na televisão. Na formação original, ela era o contraste criativo e romântico de Baptista, não somente sua parceira nas músicas, mas também, por um breve e tumultuoso tempo, sua esposa.
“Eu não quero menosprezar a genialidade de Sérgio como instrumentalista, mas em termos de idéias e conceitos na primeira formação da banda, Arnaldo estava em primeiro lugar, seguido de Rita”, disse Carlos Calado, autor de “A Divina Comédia dos Mutantes”, uma biografia publicada há uma década. “Os dois tinham uma química muito especial, mas hoje não há dúvidas que Sérgio é o líder e fala pelo grupo”.
Embora Leme dizer que Rita Lee, de 59 anos, abordou-o nos anos 90 para reunir a banda, ela criticou a reunião na imprensa brasileira dizendo que ela não queria estar associada com um “bando de caras velhos tentando juntar dinheiro para seu tratamento geriátrico”. Integrantes da banda retrucaram dizendo que se ela tivesse voltado, seria mais fácil para ela pagar pelo Botox e cirurgia plástica que eles dizem que ela fez.
Como resultado, os outros integrantes originais pediram para Zélia Duncan para preencher o espaço de cantora e contrataram uma dezena de outros músicos para encorpar seu som. Duncan é do Rio de Janeiro, não de São Paulo, mas ela aceitou o convite para se unir à banda depois que Dias entrou em contato.
Com um CD ao vivo e um DVD de sua turnê de Londres em 2006 já lançados e um novo álbum planejado para 2008, os Mutantes disseram que se surpreenderam e ficaram honrados ao serem citados como influências por artistas jovens o suficiente para serem seus filhos. Mas quando perguntados sobre o que causa essa popularidade, eles soaram hesitantes, até mesmo desconcertados.
“Acredito que seja a mesma coisa que ainda me atria, as texturas e os arranjos”, disse Dias. “Nós temos um jeito completamente diferente de escrever e unir as letras com a melodia. Eu me lembro de dizer em uma época que estávamos só tocando rock, exatamente como uma banda americana ou inglesa iria, mas quando eu ouço agora, tudo parece tão completamente diferente que eu me pergunto como alcançamos tal nível de profundidade quando éramos tão novos”.
Dias lembrou que quando eram adolescentes, ele e seu irmão ouviam BBC em ondas curtas, tentando gravar os últimos sucessos de Londres para que eles pudessem aprender a fazer covers, meses antes dos discos chegarem aqui. O som ia e voltava, e o resultado é que enquanto eles ouviam as melodias, eles tinham que bolar os detalhes eles mesmos com as harmonias e arranjos que eles criavam.
“O que acontece com Os Mutantes é que a música deles não tem validade, mas existe fora do mundo do tempo”, disse Banhart, admirado quando a anedota foi restabelecida para ele. “Eles são exemplos reais de um tipo de abertura e consciência do mundo multicultural e global que estava bem além de seu tempo”.
Ao contrário de seus similares americanos, “Os Mutantes” ainda tocam, por mais improvável que isso possa parecer dado sua história pessoal, política e comercial. Depois de três décadas separados, os integrantes da banda se reuniram ano passado para um show em Londres, gostaram dos resultados e agora estão fazendo turnês e escrevendo de novo, 40 anos depois de eles começarem a ensaiar no porão da casa dos irmão Sérgio e Arnaldo Dias Baptista.
Aqui, onde em sua primeira encarnação eles eram constantemente perseguidos por uma ditadura militar que achava seu estilo de vida hippie e letras psicodélicas ameaçadoras, o retorno deles foi celebrado. Eles recentemente ganharam o equivalente brasileiro do Grammy como melhor banda e estiveram na estrada na maior parte do ano, tocando para públicos onde os fãs que não eram nem nascidos quando eles se separaram são o maior segmento.
Talvez ainda mais surpreendente, na última década “Os Mutantes”, que se apresentarão no Lincoln Center Festival em Nova York nesta terça-feira, emergiram como favoritos cults de uma geração mais jovem de músicas no mundo que fala inglês que elogiam a banda como pioneiros não honrados. Beck chamou uma de suas faixas de “Mutations” em homenagem à eles, e outros admiradores vão de Nelly Furtado, David Byrne, Sean Lennon até Devendra Banhart Em 1999, o selo Byrne´s Luaka Bop fez uma compilação das músicas da banda, chamado “Tudo É Possível!”, que estimulou mais curiosidade. Desde então, interesse entre especialistas em pop aumentaram a um ponto que o catálogo inteiro dos “Mutantes” agora está disponível nos EUA, incluindo “Technicolor”, um disco em inglês que estava padecendo nos arquivos da empresa desde 1970.
“Normalmente você só tem uma chance na vida de fazer algo realmente especial e significativo, e isso se você tiver sorte”, disse Sérgio Dias, o guitarrista de 56 anos da banda. “Mas recebemos uma benção especial que veio duas vezes e nós podemos realmente aproveitar o que está acontecendo”.
Junto com os cantores e compositores Caetano Veloso, Gilberto Gil e Tom Zé, Os Mutantes foram os fundadores do Tropicalismo, o movimento de contracultura controverso que surgiu aqui no final dos anos 60. Eles ajudaram a introduzir instrumentos elétricos e ritmos de rock à música popular brasileira e usando uma técnica de colagem de cortar e colar e com um gosto pela ironia, eles definiram uma estética que domina grande parte da música pop atual. Como os generais que dominavam o Brasil de 1964 até 1985 rotulavam Os Mutantes como apóstolos perigosos do sexo, drogas e rock ´n´roll, os shows do grupo eram muitas vezes interrompidos ou invadidos de surpresa. Não que Os Mutantes não gostavam de seu papel como provocadores: Dias zombava dos militares fazendo os shows em um uniforme de Napoleão, enquanto seu irmão Arnaldo Baptista, o baixista e tecladista da banda, usava um manto de padre e a cantora, Rita Lee, aparecia com um vestido de noiva. A vida depois do rompimento da banda no final dos anos 70 não foi fácil também, especialmente para Baptista. Em 1982, ele caiu da janela da ala psiquiátrica do hospital onde ele estava internado depois de anos usando LSD e outras drogas. Ele fraturou seu crânio, entrou em coma, e recebeu alta quatro meses depois, após uma cirurgia e terapia.
“Foi um milagre ter sobrevivido”, disse Baptista, frágil e hesitante aos 58 anos. “Ás vezes eu falo coisas que as pessoas não entendem” como resultado do acidente e da medicação que ele tomou, “mas como a música dos Stones diz, você não consegue sempre o que você quer”.
A carreira de Sérgio Dias, em contraste, seguiu um rumo itinerante porém mais convencional. Ele se mudou para Nova York em 1980 e permaneceu lá por uma década, tocando com músicos que pensavam igual, muitos com uma orientação de fusão de jazz, desde bandas como Frank Zappa, John McLaughlin, Jan Hammer e Lou Reed até fazer um duo com o guitarrista Phil Manzanera, da Roxy Music.
“A coisa sobre estar nos Mutantes é que eu sempre tocava com as mesmas pessoas, porque a banda era um universo muito forte e unido”, ele explicou. “Como eu tinha muito pouco contato com outros músicos, ir para os EUA foi o começo de algo novo para mim, tocando em estilos diferentes e tendo que me provar”.
O terceiro âncora da banda, o bateirista Ronaldo Leme, conhecido como Dinho, eventualmente deixou o mundo da música de uma vez. Ele começou uma empresa de relações públicas, trabalhando primeiro em boates e depois representando motoristas de Fórmula 1 e de stock car no Brasil.
“Quando chegou os anos 80, a música era muito ruim, e eu odiava estar na rua às três da manhã fazendo publicidade para uma boate que eu nem gostava”, ele disse. “Para mim, Os Mutantes havia acabado, mas eu sentia falta da bateria e tocava sempre que podia e ouvia muitos discos que eu não ouvia antes, principalmente jazz, como Stanley Clarke e Jimmy Smith, além de Frank Sinatra”.
A cantora original, Rita Lee, está fora dos Mutantes atuais, para o horror dos fãs mais linha-duras tanto aqui como no exterior. Ela foi afastada da banda em 1972, mas tem uma carreira solo muito bem sucedida como estrela pop e, mais recentemente, apresenta um programa na televisão. Na formação original, ela era o contraste criativo e romântico de Baptista, não somente sua parceira nas músicas, mas também, por um breve e tumultuoso tempo, sua esposa.
“Eu não quero menosprezar a genialidade de Sérgio como instrumentalista, mas em termos de idéias e conceitos na primeira formação da banda, Arnaldo estava em primeiro lugar, seguido de Rita”, disse Carlos Calado, autor de “A Divina Comédia dos Mutantes”, uma biografia publicada há uma década. “Os dois tinham uma química muito especial, mas hoje não há dúvidas que Sérgio é o líder e fala pelo grupo”.
Embora Leme dizer que Rita Lee, de 59 anos, abordou-o nos anos 90 para reunir a banda, ela criticou a reunião na imprensa brasileira dizendo que ela não queria estar associada com um “bando de caras velhos tentando juntar dinheiro para seu tratamento geriátrico”. Integrantes da banda retrucaram dizendo que se ela tivesse voltado, seria mais fácil para ela pagar pelo Botox e cirurgia plástica que eles dizem que ela fez.
Como resultado, os outros integrantes originais pediram para Zélia Duncan para preencher o espaço de cantora e contrataram uma dezena de outros músicos para encorpar seu som. Duncan é do Rio de Janeiro, não de São Paulo, mas ela aceitou o convite para se unir à banda depois que Dias entrou em contato.
Com um CD ao vivo e um DVD de sua turnê de Londres em 2006 já lançados e um novo álbum planejado para 2008, os Mutantes disseram que se surpreenderam e ficaram honrados ao serem citados como influências por artistas jovens o suficiente para serem seus filhos. Mas quando perguntados sobre o que causa essa popularidade, eles soaram hesitantes, até mesmo desconcertados.
“Acredito que seja a mesma coisa que ainda me atria, as texturas e os arranjos”, disse Dias. “Nós temos um jeito completamente diferente de escrever e unir as letras com a melodia. Eu me lembro de dizer em uma época que estávamos só tocando rock, exatamente como uma banda americana ou inglesa iria, mas quando eu ouço agora, tudo parece tão completamente diferente que eu me pergunto como alcançamos tal nível de profundidade quando éramos tão novos”.
Dias lembrou que quando eram adolescentes, ele e seu irmão ouviam BBC em ondas curtas, tentando gravar os últimos sucessos de Londres para que eles pudessem aprender a fazer covers, meses antes dos discos chegarem aqui. O som ia e voltava, e o resultado é que enquanto eles ouviam as melodias, eles tinham que bolar os detalhes eles mesmos com as harmonias e arranjos que eles criavam.
“O que acontece com Os Mutantes é que a música deles não tem validade, mas existe fora do mundo do tempo”, disse Banhart, admirado quando a anedota foi restabelecida para ele. “Eles são exemplos reais de um tipo de abertura e consciência do mundo multicultural e global que estava bem além de seu tempo”.
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