As luzes se apagam. O projetor começa a rodar e a tela se ilumina. O tempo não é mais aquele que conhecemos. O tempo de uma vida. O tempo de uma história. O tempo de uma jornada. O tempo de outrora. O tempo de agora. O tempo do porvir.Todos os tempos em um só tempo, o tempo do cinema. Como numa espécie de mágica, o cinema subverte toda uma noção temporal com a qual estamos acostumados a viver. Ao apagar das luzes e no início da sessão, durante alguns minutos - de um curta, média ou longa-metragem -, somos transportados a outro universo, em que segundos se transformam em horas e estas podem se transformar em séculos; em que passado, presente e futuro se transformam em unidade. A tão falada magia do cinema deve muito ao fato de ele nos deslocar de uma realidade temporal para outra, e isso, em tempos em que a velocidade torna a vida em sociedade cada vez mais frenética, é sem dúvida um dos melhores subterfúgios para a ditadura do relógio.Tempo do cinema. Tempo do espectadorSe o cinema tem a capacidade de transformar nossa percepção temporal, é porque ele cria sua própria concepção de tempo. Ao longo da história do cinema, diversas noções temporais foram aplicadas às obras. Se D.W. Griffith, na década de 1910, instaurou a linguagem narrativa clássica em que o tempo segue uma linearidade de causa e efeito, Orson Welles, com seu Cidadão Kane, de 1941, torna o tempo circular, como o movimento de uma espiral. Se Eisenstein, na década de 1920, fazia da montagem um discurso ideológico, cuja organização de imagens e sons transparece o passar do tempo, o neo-realismo italiano retira o efeito discursivo da montagem e trabalha com longos planos-seqüência, atribuindo ao tempo um caráter mais próximo da realidade.
Cinco filmes de todos os temposA Máquina, de João Falcão, Brasil, 2006Adaptação do livro homônimo, o filme desloca outra realidade espaço-temporal para uma pequena cidade do Nordeste.Primavera, Verão, Outono, Inverno e... Primavera, de Kim Ki-Duk, Coréia do Sul, 2003Fábula sobre dois monges budistas, um novo e outro velho, e a passagem do tempo para cada um deles.Um Homem com uma Câmera, de Dziga Vertov, Rússia, 1929Marco do cinema mundial no que diz respeito à linguagem narrativa. A progressão temporal é ditada pela montagem de imagens e sons.Os 12 Macacos, de Terry Gilliam, EUA, 1995 Um prisioneiro do futuro é enviado em uma missão ao passado para impedir uma ação terrorista, que causará a destruição de boa parte da humanidade.Trilogia De Volta para o Futuro, de Robert Zemeckis, EUA, 1985, 1989 e 1990Uma das mais divertidas e inventivas viagens no tempo. O filme brinca diversas vezes com o conceito físico de continuum espaço-tempo.
Mas a realidade temporal raramente é alcançada em sua plenitude no cinema. Recentemente o russo Aleksandr Sokurov conseguiu o que Hitchcock, devido a limitações técnicas, tentou realizar em Festim Diabólico: um filme com uma única cena em plano-seqüência. Arca Russa, de 2002, faz um passeio, de quase cem minutos, pelo Museu L'Hermitage, em São Petersburgo, mostrando personagens históricos da Rússia. Entretanto, mesmo em Arca Russa, o tempo ganha a aura cinematográfica, na qual ele é transformado em uma surreal viagem histórica. A magia - sim, ela novamente - do cinema pode ser entendida justamente pela interação temporal entre o filme e seu espectador. De um lado, o espectador carrega consigo uma série de registros mentais e experiências temporais aos quais está habituado; de outro, o filme possui seu ritmo singular, que agrega sistemas temporais próprios e dissonantes aos de quem o vê. Quando nos sentamos em frente à grande tela e assistimos a um filme, tem início uma série de relações em um âmbito temporal. Por meio de um mecanismo dialético, os valores de tempo da obra cinematográfica criam uma tensão com os valores de tempo de quem assiste a ela, estabelecendo, assim, outro tempo no qual espectador e filme podem conviver harmoniosamente ou não por alguns minutos ou horas.Lembrança do futuroNão são poucos os filmes que trabalham bem a questão do tempo, não somente em formato mas também em conteúdo. Em O Ano Passado em Marienbad, filme de 1961 dirigido por Alain Resnais, são apresentados, em uma mesma dimensão, passado e presente - e muito provavelmente o futuro também - e os pensamentos e lembranças materializadas do narrador. Não se sabe ao certo em que temporalidade ocorrem as ações dos personagens. O ritmo lento, sombrio e muitas vezes onírico deixa claro que tudo o que é exposto ali não pertence a tempo algum que o espectador possa conhecer, surgindo daí um sentimento de estranhamento. O ano em Marienbad pode simplesmente nunca ter existido ou, se existiu, pode estar em alguma lembrança que teima em se repetir ao infinito, uma lembrança eternizada pela obra cinematográfica.A lembrança é um tema caro no que diz respeito à questão do tempo no cinema. Em 2046 - Os Segredos do Amor (foto), de Wong Kar-Wai, as recordações do personagem principal convivem no presente e, até mesmo, no futuro. O jornalista Chow Mo Wan, interpretado por Tony Leung, escreve uma ficção sobre 2046, uma espécie de continuum espaço-tempo ao qual as pessoas vão para recuperar suas lembranças. Entretanto, esse futurista ano-lugar 2046 nada mais é que a representação do próprio presente vivido por Chow, um homem incapaz de se desgarrar de certa lembrança que o atormenta. Passado, presente e futuro coexistindo simbolicamente. Talvez a cena emblemática de 2046 que resuma essa idéia seja a da atriz Faye Wong fumando um cigarro. A cena é feita em câmera lenta, os movimentos da atriz são todos desacelerados, no entanto a fumaça que sai do cigarro é veloz, causando uma belíssima incongruência temporal e evidenciando a presença de diversas temporalidades em um só momento.Se a fascinação pelo tempo no cinema é grande, o que dizer então dos filmes que têm a pretensão de retratar determinada época? Sabe-se que os filmes históricos representam muito mais o período no qual foram realizados do que propriamente o período que almejaram retratar. Das produções cinematográficas históricas recentes, um dos exemplares mais interessantes é o filme sobre a rainha austríaca Maria Antonieta. Como a própria diretora Sofia Coppola afirmou, Maria Antonieta não é exatamente um filme histórico, mas, sim, uma obra sobre a geração atual. Recorre-se a um tempo passado para retratar o atual. O passado é uma alegoria para ilustrar o agora. Em Maria Antonieta, há indícios concretos de que o século XVIII é também o século XXI.
Cinco filmes de todos os temposA Máquina, de João Falcão, Brasil, 2006Adaptação do livro homônimo, o filme desloca outra realidade espaço-temporal para uma pequena cidade do Nordeste.Primavera, Verão, Outono, Inverno e... Primavera, de Kim Ki-Duk, Coréia do Sul, 2003Fábula sobre dois monges budistas, um novo e outro velho, e a passagem do tempo para cada um deles.Um Homem com uma Câmera, de Dziga Vertov, Rússia, 1929Marco do cinema mundial no que diz respeito à linguagem narrativa. A progressão temporal é ditada pela montagem de imagens e sons.Os 12 Macacos, de Terry Gilliam, EUA, 1995 Um prisioneiro do futuro é enviado em uma missão ao passado para impedir uma ação terrorista, que causará a destruição de boa parte da humanidade.Trilogia De Volta para o Futuro, de Robert Zemeckis, EUA, 1985, 1989 e 1990Uma das mais divertidas e inventivas viagens no tempo. O filme brinca diversas vezes com o conceito físico de continuum espaço-tempo.
Mas a realidade temporal raramente é alcançada em sua plenitude no cinema. Recentemente o russo Aleksandr Sokurov conseguiu o que Hitchcock, devido a limitações técnicas, tentou realizar em Festim Diabólico: um filme com uma única cena em plano-seqüência. Arca Russa, de 2002, faz um passeio, de quase cem minutos, pelo Museu L'Hermitage, em São Petersburgo, mostrando personagens históricos da Rússia. Entretanto, mesmo em Arca Russa, o tempo ganha a aura cinematográfica, na qual ele é transformado em uma surreal viagem histórica. A magia - sim, ela novamente - do cinema pode ser entendida justamente pela interação temporal entre o filme e seu espectador. De um lado, o espectador carrega consigo uma série de registros mentais e experiências temporais aos quais está habituado; de outro, o filme possui seu ritmo singular, que agrega sistemas temporais próprios e dissonantes aos de quem o vê. Quando nos sentamos em frente à grande tela e assistimos a um filme, tem início uma série de relações em um âmbito temporal. Por meio de um mecanismo dialético, os valores de tempo da obra cinematográfica criam uma tensão com os valores de tempo de quem assiste a ela, estabelecendo, assim, outro tempo no qual espectador e filme podem conviver harmoniosamente ou não por alguns minutos ou horas.Lembrança do futuroNão são poucos os filmes que trabalham bem a questão do tempo, não somente em formato mas também em conteúdo. Em O Ano Passado em Marienbad, filme de 1961 dirigido por Alain Resnais, são apresentados, em uma mesma dimensão, passado e presente - e muito provavelmente o futuro também - e os pensamentos e lembranças materializadas do narrador. Não se sabe ao certo em que temporalidade ocorrem as ações dos personagens. O ritmo lento, sombrio e muitas vezes onírico deixa claro que tudo o que é exposto ali não pertence a tempo algum que o espectador possa conhecer, surgindo daí um sentimento de estranhamento. O ano em Marienbad pode simplesmente nunca ter existido ou, se existiu, pode estar em alguma lembrança que teima em se repetir ao infinito, uma lembrança eternizada pela obra cinematográfica.A lembrança é um tema caro no que diz respeito à questão do tempo no cinema. Em 2046 - Os Segredos do Amor (foto), de Wong Kar-Wai, as recordações do personagem principal convivem no presente e, até mesmo, no futuro. O jornalista Chow Mo Wan, interpretado por Tony Leung, escreve uma ficção sobre 2046, uma espécie de continuum espaço-tempo ao qual as pessoas vão para recuperar suas lembranças. Entretanto, esse futurista ano-lugar 2046 nada mais é que a representação do próprio presente vivido por Chow, um homem incapaz de se desgarrar de certa lembrança que o atormenta. Passado, presente e futuro coexistindo simbolicamente. Talvez a cena emblemática de 2046 que resuma essa idéia seja a da atriz Faye Wong fumando um cigarro. A cena é feita em câmera lenta, os movimentos da atriz são todos desacelerados, no entanto a fumaça que sai do cigarro é veloz, causando uma belíssima incongruência temporal e evidenciando a presença de diversas temporalidades em um só momento.Se a fascinação pelo tempo no cinema é grande, o que dizer então dos filmes que têm a pretensão de retratar determinada época? Sabe-se que os filmes históricos representam muito mais o período no qual foram realizados do que propriamente o período que almejaram retratar. Das produções cinematográficas históricas recentes, um dos exemplares mais interessantes é o filme sobre a rainha austríaca Maria Antonieta. Como a própria diretora Sofia Coppola afirmou, Maria Antonieta não é exatamente um filme histórico, mas, sim, uma obra sobre a geração atual. Recorre-se a um tempo passado para retratar o atual. O passado é uma alegoria para ilustrar o agora. Em Maria Antonieta, há indícios concretos de que o século XVIII é também o século XXI.
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