A língua mostra sua arte
Sem acervo nenhum, além das palavras, o ousado Museu da Língua Portuguesa foi inaugurado para o público em São Paulo.
* Por Fred
"Palavra" e "língua". Os dois substantivos comuns ecoam logo na entrada. Repetidos em vários idiomas na voz de Arnaldo Antunes, anunciam o início de uma experiência nova: a visita a um museu que tem o nosso idioma como obra de arte. O Museu da Língua Portuguesa, inaugurado no dia 20 de março, em São Paulo.Nele, o visitante pode conhecer um pouco da história da construção do português falado no país, suas influências, manifestações sociais também e culturais com a literatura, a música e o cinema. Tudo permeado por muita tecnologia. Projeções multimídia, computadores, jogos interativos dão ao museu ares high tech. Do início ao fim do percurso desenvolvido para exposição permanente, pode-se explorar uma experiência nova, lúdica e interativa. Como em todo museu, haverá também espaço para exposições temporárias. Elas deverão focar um escritor ou uma obra em especial e terão tempo de permanência mais longo, estimam os organizadores. Grande Sertão: Veredas, baseada na obra de Guimarães Rosa, será a primeira grande mostra temporária, que abre para o público com a inauguração do museu. "Tudo o que estamos fazendo é uma grande invenção", explica Isa Grinspum Ferraz, diretora de conteúdo do museu. "Nossa idéia foi utilizar os mais variados recursos audiovisuais e de informática para oferecer ao público um conjunto original e inédito de experiências instigantes e surpreendentes", completa. Três grandes eixos nortearam o trabalho de desenvolvimento do museu: a antiguidade de nossa língua, sua universalidade – o português é falado hoje por cerca de 200 milhões de pessoas em oitos países – e a mestiçagem. Afinal, povo mestiço, língua mestiça. "O português do Brasil produziu tesouros de rara beleza, na literatura, na música. Temos que valorizar tudo isso, ter orgulho", destaca Isa Ferraz. Passado e futuro O museu fica nas dependências da Estação da Luz, localizada na região central da cidade de São Paulo. Ocupa o espaço que abrigava os escritórios da companhia ferroviária antes do incêndio que destruiu parte do local, em 1947. Irá conviver, portanto, com milhares de falantes da língua portuguesa que transitam pelas plataformas da estação de trem todos os dias. A mesma estação que no passado recebeu imigrantes vindos de várias partes do mundo e influenciaram o idioma falado aqui hoje. Conta com projeto arquitetônico de Paulo Mendes da Rocha – também responsável pela Pinacoteca do Estado, instalada a poucos metros dali -, em parceria com seu filho, Pedro. O projeto museológico ficou a cargo do designer Ralph Applebaum, conhecido por seus ousados trabalhos no Museu de História Natural de Nova York e no Museu do Holocausto, em Washington. Orçado em R$ 37 milhões, o museu foi realizado pela Fundação Roberto Marinho e pela Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, em parceria com diversas empresas. Levou seis anos para ser concluído. É resultado do trabalho de um grupo multidisciplinar constituído de lingüistas, poetas, antropólogos, historiadores, cineastas, músicos, artistas gráficos, arquitetos e museólogos. Projeto educativoAs instalações do museu contam com um centro de pesquisa e estudos da língua dirigido aos educadores. O projeto educativo do museu teve início, aliás, muito antes de sua inauguração. Parceria com a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, proporcionou a criação de uma rede de formação que já teve mais de 4 mil professores participantes, de disciplinas como Língua Portuguesa, História, Geografia e Educação Artística.O projeto, no entanto, não termina aí. Há também o Portal da Língua, que estréia também a partir do dia 20 de março, e promete uma enciclopédia da língua portuguesa, além de muitas novidades. Será o ambiente virtual deste museu único no mundo. Conheça a exposição permanente » A chegada No saguão dos elevadores panorâmicos que conduzem ao terceiro pavimento (e também dentro deles), o visitante ouve uma estranha música, espécie de mantra, composto e cantado por Arnaldo Antunes. Do elevador, avista-se a "Árvore da Língua", uma escultura de 16 metros de altura que tem em suas raízes palavras com seis mil anos de idade. Este é, como os organizadores chamam, o rito de passagem que dá início à visita ao museu. » Auditório No auditório, um telão de nove metros de largura exibe vídeo que aborda questões como o aparecimento da linguagem, as línguas do mundo, o Brasil como uma encruzilhada de povos e línguas. Ao final do vídeo, o telão torna-se uma grande porta basculante que dá passagem ao próximo espaço expositivo. » Praça da Língua Na Praça da Língua, tem-se a sensação de estar num "planetário de palavras". Na sala escura, o visitante acompanha uma espécie de antologia da literatura produzida em português construída por sons e imagens. Textos em prosa e verso são lidos por personalidades da literatura, da música, do teatro, do cinema e TV, acompanhados por projeções feitas no telhado da sala. A experiência dura cerca de 20 minutos. » A Grande Galeria Este é o espaço dedicado à língua do cotidiano, abordando assuntos como música, festas populares, futebol, comida, relações humanas, valores e saberes. Uma grande tela de 106 metros de comprimento exibe 11 filmes diferentes (com nove metros cada). De tempos em tempos, eles se unem para projetar uma única imagem. » Palavras CruzadasQuais as línguas que ajudaram a formar o português falado aqui? Neste ambiente é possível conhecê-las ao visitar os oito totens, ou lanternas, como os organizadores também chamam, divididos por: línguas africanas, indígenas, francês e inglês, espanhol, línguas dos imigrantes e, por fim, o português no mundo. Cada lanterna contém um monitor com diversas palavras que podem ser tocadas, numa verdadeira experiência hipertextual.» Linha do tempoComo o próprio nome indica, apresenta a história do português falado no Brasil. Traz telas, mapas interativos que mostram a evolução da língua, além de obras selecionadas por Alfredo Bosi. » Beco das Palavras Neste espaço é possível brincar, literalmente. Com uma tecnologia inovadora, pedaços de palavras são projetados sobre mesas brancas. O visitante deve juntar os pedaços para formar palavras, jogo que proporciona o conhecimento do significado e origem delas. Grande Sertão: Veredas, a primeira exposição O cinqüentenário de Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, é o mote da primeira grande exposição temporária do Museu da Língua Portuguesa. Concebida por Bia Lessa, a mostra não tem fotos ou imagens, apenas palavras. Convida o visitante a uma experiência sensorial e lúdica. O espaço foi ambientado com tijolos, restos de telhas, latões cheios de água, tábuas; não há piso no chão; não há vedação nas janelas; a fumaça toma conta do espaço. Mas tudo tem seu porquê, cada coisa representa um suporte ou referência para o romance. A sala foi tomada por varais que sustentam diversas bandeiras de tecido. Cada uma reproduz uma página da terceira versão datilografada de Grande Sertão Veredas revisada pelo próprio Guimarães Rosa. Pode-se puxar a corda presa às bandeiras (dois saquinhos de terra da região de Minas onde foi ambientado o livro servem de contrapeso) e observar o texto e as várias observações feitas pelo autor em lápis de cor. A partir daí, a mostra oferece sete caminhos, ou veredas, correspondentes a um personagem ou aspecto significativo do livro. Até os banheiros fazem parte da exposição. Os azulejos formam jogos de palavras e, nas cabines onde estão os vasos sanitários, foram instaladas telas que exibem depoimentos de diversas personalidades sobre a importância desta obra de Guimarães Rosa. A mostra termina com uma participação especial. A voz de Maria Bethânia surge e o visitante sentado em um banco de praça, ouve a narração das páginas finais de Grande Sertão: Veredas.Museu da Língua Portuguesa Endereço: Estação da Luz – Praça da Luz s/nº Aberto ao público Visitação: de terça a domingo, das 10h às 18h Entrada: R$ 4,00 e R$ 2,00 (estudantes)
* Fred escritor/jornalista MTB 46.265
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