11.10.07

40 anos sem Che, 20 anos de barbárie

Em tempos neoliberais, inspiração de Guevara
sobrevive nos revolucionários latino-americanos

Ao publicar seu livro "O Horror Econômico", em 1996, a ensaísta francesa Viviane Forrester, crítica literária do Le Monde, analisou com precisão o estrago causado pela globalização neoliberal aos valores humanistas e sociais. Seu livro contribuiu para uma tomada de consciência em várias partes do mundo, especialmente na França e na Europa, onde deu consistência para várias manifestações e movimentos de resistência.
Se Viviane Forrester viesse ao Brasil para ver quais são os estragos hoje, após 17 anos de políticas neoliberais, certamente incluiria no "horror econômico" um capítulo especial sobre a barbárie do modelo econômico na periferia do capitalismo – onde a tragédia é maior e afeta o nível incipiente dos direitos humanos, a perda de conquistas trabalhistas e sociais, a super-exploração do trabalho e, de quebra, a destruição mais profunda dos valores culturais e civilizatórios.
Na verdade, o Brasil perdeu vários bondes da história: poderia ter construído uma sociedade mais justa no processo de independência colonial, no século 19; poderia ter feito a reforma agrária junto com o término da escravidão e com a instauração do regime republicano; poderia ter avançado nos embalos das revoluções socialistas na Rússia, em 1917, na China, em 1949 e em Cuba, em 1959; poderia ter avançado em processos mais democráticos no pós 2ª Guerra, com a derrubada de Getúlio Vargas, como aconteceu na Europa.
No entanto, o Brasil - como a maioria da América Latina – está entregue aos domínios do imperialismo, à exploração das empresas transnacionais e dos bancos e à estagnação dependente – um processo político de democracia limitada e controlada pela repressão, um processo econômico centrado na transferência de renda para poucos grupos empresariais nacionais e estrangeiros, um sistema produtivo baseado na exportação de bens primários e matéria-prima industrial e uma política de recursos humanos voltada para a formação de quadros de terceiro escalão.
Graças a esse modelo o Brasil tem um contingente permanente de desempregados acima dos 15% da população economicamente ativa, tem uma massa de trabalho informal maior que os empregados com carteira assinada e tem sofrido um arrocho salarial de várias décadas. Graças a isso, o Brasil tem um contingente enorme de jovens de 15 a 24 anos sem trabalho, sem escola e sem renda – e pior: sem perspectiva de realização profissional e pessoal dentro do Brasil. Por isso mesmo, pesquisa Datafolha de outubro de 2007 estima que a diáspora brasileira dos últimos anos alcance 30 milhões de pessoas – que fugiram do Brasil para viver em outros países.
Viviane Forrester ficaria mais arrasada ainda ao analisar que o estrago maior do modelo neoliberal globalizado não se deu apenas pelo retrocesso nos campos econômico e social, mas nos campos político e ético. Ficaria realmente horrorizada ao saber que as populações de vários países da América Latina foram subjugadas sem maiores resistências, que muitas das forças de esquerda aderiram ao charme do capitalismo e que, no Brasil, o maior partido de esquerda que o povo conseguiu construir ao longo de séculos de história praticou escandalosa traição de classe, jogou no lixo seu programa e suas bandeiras de luta, seus quadros dirigentes adotaram as práticas e os métodos mais sórdidos das elites dominantes.
Para a América Latina tem restado a insurgência dos mais explorados e mais oprimidos – dos povos indígenas da Bolívia, do Equador e do México – e a luta de resistência dos poucos movimentos sociais populares que não se renderam ao capitalismo neoliberal. Resta também a inspiração da luta de Ernesto Guevara, o nosso mais querido revolucionário. Que o sonho de Che nos fortaleça. Sempre!
________________
Hamilton Octavio de Souza é jornalista e professor da PUC-SP.

No comments: