20.8.07

Poesia modernista de Bertold Brecht

Aos que virão depois de nós
I
Eu vivo em tempos sombrios.Uma linguagem sem malícia é sinal de estupidez,uma testa sem rugas é sinal de indiferença.Aquele que ainda ri é porque ainda nãorecebeu a terrível notícia.Que tempos são esses, quandofalar sobre flores é quase um crime?Pois significa silenciar sobre tanta injustiça?Aquele que cruza tranqüilamente a ruajá está então inacessível aos amigosque se encontram necessitados?É verdade: eu ainda ganho o bastante para viver.Mas acreditem: é por acaso. Nada do que eu façodá-me o direito de comer quando eu tenho fome.Por acaso estou sendo poupado.(Se a minha sorte me deixa estou perdido!)Dizem-me: come e bebe!Fica feliz por teres o que tens!Mas como é que posso comer e beber,se a comida que eu como, eu tiro de quem tem fome?se o copo de água que eu bebo, faz falta a quem tem sede?Mas apesar disso, eu continuo comendo e bebendo.Eu queria ser um sábio.Nos livros antigos está escrito o que é a sabedoria:Manter-se afastado dos problemas do mundoe sem medo passar o tempo que se tem para viver na terra;Seguir seu caminho sem violência,pagar o mal com o bem,não satisfazer os desejos, mas esquecê-los.Sabedoria é isso!Mas eu não consigo agir assim.É verdade, eu vivo em tempos sombrios!
II
Eu vim para a cidade no tempo da desordem,quando a fome reinava.Eu vim para o convívio dos homens no tempo da revoltae me revoltei ao lado deles.Assim se passou o tempoque me foi dado viver sobre a terra.Eu comi o meu pão no meio das batalhas,deitei-me entre os assassinos para dormir,Fiz amor sem muita atençãoe não tive paciência com a natureza.Assim se passou o tempoque me foi dado viver sobre a terra.
III
Vocês, que vão emergir das ondasem que nós perecemos, pensem,quando falarem das nossas fraquezas,nos tempos sombriosde que vocês tiveram a sorte de escapar.Nós existíamos através da luta de classes,mudando mais seguidamente de países que de sapatos,desesperados!quando só havia injustiça e não havia revolta.Nós sabemos:o ódio contra a baixezatambém endurece os rostos!A cólera contra a injustiçafaz a voz ficar rouca!Infelizmente, nós,que queríamos preparar o caminho para aamizade,não pudemos ser, nós mesmos, bons amigos.Mas vocês, quando chegar o tempoem que o homem seja amigo do homem,pensem em nós com um pouco de compreensão.

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