Maria Ruth dos Santos Escobar (Porto, Portugal 1936). Atriz e produtora cultural. Uma das notáveis personalidades do teatro brasileiro, empreendedora de muitos projetos culturais especialmente comprometidos com a vanguarda artística.
Nasce em Portugal e vem para o Brasil em 1951. Anos depois, casa-se com o filósofo e dramaturgo Carlos Henrique Escobar e juntos, em 1958, partem para a França, onde faz cursos de interpretação. Ao retornar para o Brasil, monta companhia própria, a Novo Teatro, em parceria com o diretor Alberto D'Aversa. Protagoniza Antígone América, texto do marido, em 1962, após algumas experiências de palco, como Mãe Coragem e Seus Filhos, de Bertolt Brecht, em 1960, e Males da Juventude, de Ferdinand Bruckner, em 1961, ambas dirigidas por D'Aversa.
Em 1964, decide empreender um teatro popular e, para tanto, faz adaptar um ônibus que se transforma em palco, levando espetáculos à periferia de São Paulo, iniciativa intitulada de Teatro Popular Nacional. Ali Antônio Abujamra dirige A Pena e a Lei, de Ariano Suassuna; Silnei Siqueira encena As Desgraças de uma Criança, de Martins Pena, entre outros, encerrando suas atividades em 1965.
Em 1964 inaugura também sua própria casa de espetáculos, orientada para a vanguarda artística. Casa-se com o arquiteto Wladimir Pereira Cardoso, que se torna cenógrafo das produções da companhia. Entre outras, são ali encenadas a A Ópera dos Três Vinténs, de Bertolt Brecht e Kurt Weill, com direção de José Renato, 1964; O Casamento do Sr. Mississipi, de Dürrenmatt, dirigida por Jô Soares, 1965; As Fúrias, de Rafael Alberti, outra encenação de Abujamra, em 1966; O Versátil Mr. Sloane, de Joe Orton, tendo Antônio Ghigonetto como diretor, em 1967; e Lisístrata, de Aristófanes, encenação de Maurice Vaneau, em 1968.
Em 1966, produz, no Rio de Janeiro, Júlio Cesar, de William Shakespeare, uma tradução do então governador Carlos Lacerda, empreendimento que gera animosidade da classe artística. O fracasso retumbante da encenação, dirigida por Antunes Filho, agrava a tensão entre a empresária e alguns setores artísticos.
Uma iniciativa ousada segue-se, em 1968, com a vinda para o Brasil do franco-argentino Victor Garcia, convidado para a montagem de Cemitério de Automóveis, adaptação do próprio Garcia para a obra de Fernando Arrabal, encenada anteriormente em Dijon, 1966; e em Paris, 1968, ambos na França. Uma antiga garagem na Rua 13 de Maio é totalmente remodelada e a encenação, de uma beleza visceral e chocante, destaca Ruth como atriz e produtora de grande projeção.
Seu prestígio aumenta, em 1969, com a produção de O Balcão, de Jean Genet, deslumbrante encenação de Victor Garcia cenografada por Wladimir Pereira Cardoso. A produção arrebata todos os prêmios importantes do ano e Ruth é agraciada com o troféu Roquette Pinto para a personalidade do ano.
Novas polêmicas cercam-na com as produções de Missa Leiga, de Chico de Assis, com direção de Ademar Guerra, em 1972, proibida de utilizar a Igreja da Consolação como palco e montada numa fábrica; e A Viagem, adaptação cênica do poema Lusíadas, de Luís de Camões, por Carlos Queiroz Telles, cuja estréia conta com a presença do primeiro ministro de Portugal, Marcelo Caetano.
Nos anos subseqüentes, fica à frente do Centro Latino-Americano de Criatividade, projeto abortado por falta de recursos, bem como centraliza no seu teatro importantes manifestações contra o regime militar, inclusive a fundação do Comitê da Anistia Internacional.
Com o 1º Festival Internacional de Teatro em 1974, dá outro passo ambicioso: apresentar periodicamente em São Paulo o melhor da produção cênica mundial. A cidade pode conhecer, entre outros, o trabalho de Bob Wilson (Time and Life of Joseph Stalin, que a Censura obriga a mudar para Time and Life of David Clark), a excepcional criação de Yerma, de Victor Garcia, com Nuria Espert; além dos encenadores Andrei Serban e Jerzy Grotowski.
Em 1974, centraliza a produção para circuito internacional de Autos Sacramentales, encenação de Victor Garcia baseada em Calderón de la Barca. Estreado em Shiraz, Pérsia, a realização triunfa na Bienal de Veneza, Itália, em Londres e em Portugal.
Em 1976, outro projeto de fôlego - a Feira Brasileira de Opinião - reúne textos dos mais destacados dramaturgos da época, mas é interditado pela Censura, o que a obriga a arcar com os prejuízos da montagem em andamento.
No 2º Festival Internacional, de 1976, chegam ao país o grupo catalão Els Joglars, com Allias Serralonga; os City Players, do Irã, com uma inusitada montagem de Calígula, de Albert Camus; a companhia Hamada Zenya Gekijo, do Japão; o grupo G. Belli, da Itália, com Pranzo di Famiglia, dirigida por Tinto Brass, entre outros.
Em 1977, Ruth Escobar resolve voltar à cena. Para interpretar a exasperada Ilídia de A Torre de Babel, traz a São Paulo o autor Fernando Arrabal para dirigi-la. Produz A Revista do Henfil, de Henfil e Oswaldo Mendes, sob a direção de Ademar Guerra, em 1978; no ano seguinte, volta à cena em Caixa de Cimento, encenação do franco-uruguaio Juan Uviedo cheia de equívocos; ainda em 1979, produz Fábrica de Chocolate, texto de Mario Prata que aborda a tortura.
Entre as grandes atrações do 3º Festival Internacional, em 1981, estão o grupo norte-americano Mabu Mines; o belga Plan K; o La Cuadra, de Sevilla; além do uruguaio Galpón e do português A. Comuna.
Nos anos 80, afasta-se parcialmente do teatro; é eleita deputada estadual para duas legislaturas e dedica-se a projetos comunitários.
Em 1994, volta aos festivais internacionais, agora mais discretos, porém ampliando sua abrangência ao trazer grupos de teatro, de dança, de formas animadas ou que unem todas essas linguagens em uma manifestação híbrida, como o Aboriginal Islander Dance Theatre; o Bread and Puppet; o Cricot 2; os Dervixes Dançantes. A quinta edição, de 1995, acentua a forte tendência à diversificação ao trazer para o país a dança de Carlota Ikeda e o grupo japonês Dumb Type, o russo Levdodine com Gaudeamus, e Michell Picolli, entre outros. Em 1996, Phillipe Decoufflé; o grupo Dong Gong Xi Gong, de Taiwan; e Joseph Nadg são os destaques da 6ª edição.
O 7º Festival Internacional é dedicado à Ásia, em 1997, com grupos étnicos de diversos países, inclusive uma Ópera de Pequim; e a oitava edição, de 1999, centra-se na cultura cigana.
Em 1987, Ruth Escobar lança Maria Ruth - Uma Autobiografia, contando parte da sua trajetória, na qual a produção cultural se mescla, de modo indissolúvel, à sua atuação social, voltada sobretudo para o inconformismo com as regras estabelecidas.
Em 1990, retorna aos palcos, numa encenação de Gabriel Villela, de Relações Perigosas, de Heiner Müller.
A crítica e ensaísta Ilka Marinho Zanotto, ao analisar sua importância na cena artística brasileira, observa: "Se quiséssemos traçar a evolução do teatro brasileiro no século XX (...) teríamos forçosamente de incluir entre os cumes de suas realizações a trajetória polêmica da atriz-empresária Ruth Escobar. Marcada pelo signo do inconformismo, pelo faro do verdadeiramente artístico e do anticonvencional e pela ousadia das avalanches que, uma vez traçado o rumo, chegam ao seu destino - o vale - a qualquer custo, Ruth Escobar marcou a cena brasileira com o carimbo indelével de sua personalidade. Talhada para as empresas aparentemente impossíveis... Promove debates em tempo de ditadura, leituras de peças proibidas com ameaças de bombas e de invasão à porta, passeatas de protesto. Invade gabinetes de ministros de Estado e de censores e, de peito aberto, vai várias vezes à praça pública clamar pelos direitos pisoteados do teatro. (...) Promotora incansável de tantas obras fascinantes, não se pode negar ao seu teatro o lugar privilegiado que soube conquistar nada tranqüilamente na história da arte brasileira".1
Notas
1. ZANOTTO, Ilka Marinho. Depoimento. In: FERNANDES, Rofran. Teatro Ruth Escobar: 20 anos de resistência. São Paulo: Global, 1985.
Nasce em Portugal e vem para o Brasil em 1951. Anos depois, casa-se com o filósofo e dramaturgo Carlos Henrique Escobar e juntos, em 1958, partem para a França, onde faz cursos de interpretação. Ao retornar para o Brasil, monta companhia própria, a Novo Teatro, em parceria com o diretor Alberto D'Aversa. Protagoniza Antígone América, texto do marido, em 1962, após algumas experiências de palco, como Mãe Coragem e Seus Filhos, de Bertolt Brecht, em 1960, e Males da Juventude, de Ferdinand Bruckner, em 1961, ambas dirigidas por D'Aversa.
Em 1964, decide empreender um teatro popular e, para tanto, faz adaptar um ônibus que se transforma em palco, levando espetáculos à periferia de São Paulo, iniciativa intitulada de Teatro Popular Nacional. Ali Antônio Abujamra dirige A Pena e a Lei, de Ariano Suassuna; Silnei Siqueira encena As Desgraças de uma Criança, de Martins Pena, entre outros, encerrando suas atividades em 1965.
Em 1964 inaugura também sua própria casa de espetáculos, orientada para a vanguarda artística. Casa-se com o arquiteto Wladimir Pereira Cardoso, que se torna cenógrafo das produções da companhia. Entre outras, são ali encenadas a A Ópera dos Três Vinténs, de Bertolt Brecht e Kurt Weill, com direção de José Renato, 1964; O Casamento do Sr. Mississipi, de Dürrenmatt, dirigida por Jô Soares, 1965; As Fúrias, de Rafael Alberti, outra encenação de Abujamra, em 1966; O Versátil Mr. Sloane, de Joe Orton, tendo Antônio Ghigonetto como diretor, em 1967; e Lisístrata, de Aristófanes, encenação de Maurice Vaneau, em 1968.
Em 1966, produz, no Rio de Janeiro, Júlio Cesar, de William Shakespeare, uma tradução do então governador Carlos Lacerda, empreendimento que gera animosidade da classe artística. O fracasso retumbante da encenação, dirigida por Antunes Filho, agrava a tensão entre a empresária e alguns setores artísticos.
Uma iniciativa ousada segue-se, em 1968, com a vinda para o Brasil do franco-argentino Victor Garcia, convidado para a montagem de Cemitério de Automóveis, adaptação do próprio Garcia para a obra de Fernando Arrabal, encenada anteriormente em Dijon, 1966; e em Paris, 1968, ambos na França. Uma antiga garagem na Rua 13 de Maio é totalmente remodelada e a encenação, de uma beleza visceral e chocante, destaca Ruth como atriz e produtora de grande projeção.
Seu prestígio aumenta, em 1969, com a produção de O Balcão, de Jean Genet, deslumbrante encenação de Victor Garcia cenografada por Wladimir Pereira Cardoso. A produção arrebata todos os prêmios importantes do ano e Ruth é agraciada com o troféu Roquette Pinto para a personalidade do ano.
Novas polêmicas cercam-na com as produções de Missa Leiga, de Chico de Assis, com direção de Ademar Guerra, em 1972, proibida de utilizar a Igreja da Consolação como palco e montada numa fábrica; e A Viagem, adaptação cênica do poema Lusíadas, de Luís de Camões, por Carlos Queiroz Telles, cuja estréia conta com a presença do primeiro ministro de Portugal, Marcelo Caetano.
Nos anos subseqüentes, fica à frente do Centro Latino-Americano de Criatividade, projeto abortado por falta de recursos, bem como centraliza no seu teatro importantes manifestações contra o regime militar, inclusive a fundação do Comitê da Anistia Internacional.
Com o 1º Festival Internacional de Teatro em 1974, dá outro passo ambicioso: apresentar periodicamente em São Paulo o melhor da produção cênica mundial. A cidade pode conhecer, entre outros, o trabalho de Bob Wilson (Time and Life of Joseph Stalin, que a Censura obriga a mudar para Time and Life of David Clark), a excepcional criação de Yerma, de Victor Garcia, com Nuria Espert; além dos encenadores Andrei Serban e Jerzy Grotowski.
Em 1974, centraliza a produção para circuito internacional de Autos Sacramentales, encenação de Victor Garcia baseada em Calderón de la Barca. Estreado em Shiraz, Pérsia, a realização triunfa na Bienal de Veneza, Itália, em Londres e em Portugal.
Em 1976, outro projeto de fôlego - a Feira Brasileira de Opinião - reúne textos dos mais destacados dramaturgos da época, mas é interditado pela Censura, o que a obriga a arcar com os prejuízos da montagem em andamento.
No 2º Festival Internacional, de 1976, chegam ao país o grupo catalão Els Joglars, com Allias Serralonga; os City Players, do Irã, com uma inusitada montagem de Calígula, de Albert Camus; a companhia Hamada Zenya Gekijo, do Japão; o grupo G. Belli, da Itália, com Pranzo di Famiglia, dirigida por Tinto Brass, entre outros.
Em 1977, Ruth Escobar resolve voltar à cena. Para interpretar a exasperada Ilídia de A Torre de Babel, traz a São Paulo o autor Fernando Arrabal para dirigi-la. Produz A Revista do Henfil, de Henfil e Oswaldo Mendes, sob a direção de Ademar Guerra, em 1978; no ano seguinte, volta à cena em Caixa de Cimento, encenação do franco-uruguaio Juan Uviedo cheia de equívocos; ainda em 1979, produz Fábrica de Chocolate, texto de Mario Prata que aborda a tortura.
Entre as grandes atrações do 3º Festival Internacional, em 1981, estão o grupo norte-americano Mabu Mines; o belga Plan K; o La Cuadra, de Sevilla; além do uruguaio Galpón e do português A. Comuna.
Nos anos 80, afasta-se parcialmente do teatro; é eleita deputada estadual para duas legislaturas e dedica-se a projetos comunitários.
Em 1994, volta aos festivais internacionais, agora mais discretos, porém ampliando sua abrangência ao trazer grupos de teatro, de dança, de formas animadas ou que unem todas essas linguagens em uma manifestação híbrida, como o Aboriginal Islander Dance Theatre; o Bread and Puppet; o Cricot 2; os Dervixes Dançantes. A quinta edição, de 1995, acentua a forte tendência à diversificação ao trazer para o país a dança de Carlota Ikeda e o grupo japonês Dumb Type, o russo Levdodine com Gaudeamus, e Michell Picolli, entre outros. Em 1996, Phillipe Decoufflé; o grupo Dong Gong Xi Gong, de Taiwan; e Joseph Nadg são os destaques da 6ª edição.
O 7º Festival Internacional é dedicado à Ásia, em 1997, com grupos étnicos de diversos países, inclusive uma Ópera de Pequim; e a oitava edição, de 1999, centra-se na cultura cigana.
Em 1987, Ruth Escobar lança Maria Ruth - Uma Autobiografia, contando parte da sua trajetória, na qual a produção cultural se mescla, de modo indissolúvel, à sua atuação social, voltada sobretudo para o inconformismo com as regras estabelecidas.
Em 1990, retorna aos palcos, numa encenação de Gabriel Villela, de Relações Perigosas, de Heiner Müller.
A crítica e ensaísta Ilka Marinho Zanotto, ao analisar sua importância na cena artística brasileira, observa: "Se quiséssemos traçar a evolução do teatro brasileiro no século XX (...) teríamos forçosamente de incluir entre os cumes de suas realizações a trajetória polêmica da atriz-empresária Ruth Escobar. Marcada pelo signo do inconformismo, pelo faro do verdadeiramente artístico e do anticonvencional e pela ousadia das avalanches que, uma vez traçado o rumo, chegam ao seu destino - o vale - a qualquer custo, Ruth Escobar marcou a cena brasileira com o carimbo indelével de sua personalidade. Talhada para as empresas aparentemente impossíveis... Promove debates em tempo de ditadura, leituras de peças proibidas com ameaças de bombas e de invasão à porta, passeatas de protesto. Invade gabinetes de ministros de Estado e de censores e, de peito aberto, vai várias vezes à praça pública clamar pelos direitos pisoteados do teatro. (...) Promotora incansável de tantas obras fascinantes, não se pode negar ao seu teatro o lugar privilegiado que soube conquistar nada tranqüilamente na história da arte brasileira".1
Notas
1. ZANOTTO, Ilka Marinho. Depoimento. In: FERNANDES, Rofran. Teatro Ruth Escobar: 20 anos de resistência. São Paulo: Global, 1985.
Conheça o site do Teatro que leva o nome dessa grande artista
No comments:
Post a Comment