2.2.07


SOU MANGUEBOY

A Herança do Malungo

Há dez anos morria Chico Science, líder da Nação Zumbi e articulador do movimento mangue

Era começo da noite do domingo, 2 de fevereiro de 1997. O artista plástico Félix Farfan, que acabara de chegar da praia, estava cochilando quando foi despertado pelo toque do telefone. Do outro lado da linha, uma amiga avisou que o cantor Chico Science havia sofrido um acidente, mas estava passando bem. Farfan e Science haviam ido no sábado ao pré-Carnaval em Olinda e combinado de voltar à Cidade Alta naquele domingo. Science acidentara-se, por volta das 18h30, no início do Complexo de Salgadinho. O Fiat Uno que dirigia desgovernou-se na descida do viaduto e bateu de frente em um poste de concreto. Ele faleceu no trajeto entre o local do acidente e o Hospital da Restauração. A notícia espalhou-se rapidamente pelo Recife e por Olinda, silenciando, aos poucos, foliões, orquestras e maracatus.

“Quando eu fiz o curso clássico, aprendi um poema de um espanhol que diz que os pássaros, quando sentem se aproximar a hora da morte, vão buscar a última inspiração no lugar onde nasceram. Chiquinho nasceu em Santo Amaro e deu o último suspiro quando passava pelo viaduto de Santo Amaro, no carro em que foi socorrido.” O comentário fatalista é de Francisco França, 70 anos, pai de Chico Science.

O malungo sangue bom Chico Science morreu com 31 anos incompletos. Em apenas três anos como contratado da Sony Music, dois CDs e três turnês internacionais, ele orquestrou, com Fred 04, da Mundo Livre S.A., e mais uma turma de mangueboys, a mais influente cena musical surgida no País desde o Tropicalismo. Liqüidificando ritmos regionais com rap, rock, soul, eletrônica e cibernética, Chico Science, líder, compositor e vocalista da Nação Zumbi, partiu deixando sua parabólica enfiada para sempre na revigorante lama dos manguezais da Manguetown. Uma década depois, o mundo inteiro continua captando seus sinais, como atestam os americanos da Nation Beat (atração da Feira Música Brasil, que tem início no próximo dia 7, no Recife), cujo disco de estréia é confessadamente inspirado na música de Chico Science.

A influência de Chico Science & Nação Zumbi é clara também em O Rappa e em Pedro Luís e a Parede, declarada no Afroreggae, na Tejo Beat, em Portugal (que realizou um festival dedicado a Science e a Zeroquatro), e na Escócia, onde surgiu um maracatu punk, o Bloco Vomit. Temia-se que a Nação Zumbi calasse seus tambores e silenciasse a voz, o baixo e a guitarra. Mas eles foram em frente, forjaram uma nova sonoridade para a banda, lançando discos e DVDs, fazendo turnês pelo exterior, tão reverenciada como era uma década atrás.

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