1.12.06


Transmissão de HIV resistente

A história natural da AIDS mudou drasticamente a partir do final de 1995, quando foram lançados no mercado medicamentos altamente eficazes para inibir a multiplicação do HIV. Nos pacientes tratados adequadamente, a infecção pelo vírus deixou de ter seu curso inexorável de infecções de repetição, câncer, caquexia e morte, para adquirir características de infecção crônica, controlável clinicamente. No Brasil, a disponibilidade de medicamentos antivirais distribuídos gratuitamente à população infectada pelo HIV, reduziu drasticamente o número de infecções oportunistas, as internações hospitalares e a mortalidade.É possível, também, que a inibição da carga viral na corrente sangüínea e nas secreções sexuais em grande número de pacientes tratados, esteja colaborando para reduzir os índices de transmissão do vírus nas cidades brasileiras e nos países industrializados. Essa conclusão, no entanto, não está comprovada.Por outro lado, como o HIV é um vírus que apresenta capacidade aparentemente ilimitada de sofrer mutações para escapar de pressões ecológicas, sejam elas criadas pela resposta imunológica individual ou pelas drogas antivirais, a administração de medicamentos de alta eficácia não é garantia absoluta de supressão do vírus nas secreções sexuais.Transmissão de vírus resistentes a determinadas drogas para hospedeiros recém-infectados pelo HIV está documentada há mais de dez anos. A transmissão dessas variantes resistentes está relacionada com a disponibilidade dos medicamentos e a aderência aos esquemas de terapêuticos prescritos.Um estudo suíço demonstrou redução dramática dos índices de transmissão de cepas resistentes do HIV, no período de 1996 a 1999, quando os parceiros sexuais tratados apresentavam carga viral indetectável no sangue. Ao contrário, num estudo conduzido em Abidjan, Costa do Marfim, o acesso limitado aos antivirais responsável pela falta de aderência ao esquema de tratamento conduziu ao aparecimento de vírus com altos índices de resistência às drogas, na população.Recentemente, um grupo de pesquisadores norte-americanos publicou, no “ The New England Journal of Medicine”, uma análise retrospectiva dos padrões de resistência do HIV adquirido por 377 pessoas recém-infectadas, virgens de tratamento, que adquiriram a infecção entre maio de 1995 e junho de 2000, em dez cidades do país. Os autores também analisaram a associação entre os níveis de resistência do vírus transmitido e a resposta virológica ao tratamento, em 202 desses pacientes posteriormente tratados. No período de 1995 a 1998, a presença de vírus com altos níveis de resistência a uma ou mais drogas antivirais foi detectada em 3,4% dos recém-infectados. Essa freqüência determinada no período de 1999 a 2000, cresceu para 12,4%. Nos 202 pacientes que iniciaram tratamento em seguida, o tempo necessário para tornar a carga viral indetectável no sangue foi dependente da sensibilidade das cepas virais transmitidas. Foram necessários 56 dias de tratamento para suprimir as partículas virais da circulação nos portadores de vírus sensíveis a todos os medicamentos, contra 55 dias nos portadores de vírus resistentes.Embora apenas um dos portadores de vírus resistente a múltiplas drogas não tenha apresentado carga viral indetectável com a instituição do tratamento, a duração da supressão foi substancialmente mais longa naqueles que apresentavam vírus sensíveis.O aumento da freqüência de transmissão de vírus resistentes a uma ou mais drogas documentado nesse e em outros estudos, associado à resposta mais lenta ao tratamento e à duração menor da supressão da carga viral no sangue quando esses pacientes são tratados, dificultam a escolha do esquema antiviral e implicam aumento de custos com exames laboratoriais.É possível que no futuro imediato, o ideal seja testar a sensibilidade do vírus adquirido antes de selecionarmos o esquema antiviral a ser empregado como tratamento inicial, em cada caso.A limitação das opções de tratamento imposta pela transmissão de cepas virais resistentes a uma ou mais drogas, é um complicador que não pode ser menosprezado.Na escolha do tratamento antiviral, é importante que os médicos levem em consideração essa possibilidade, e evitem prescrever esquemas difíceis de serem administrados, insistam com os pacientes para guardar rigorosa aderência ao tratamento e que o Ministério da Saúde mantenha o programa de distribuição gratuita dos antivirais.Mais importante do que todas essas medidas, no entanto, é garantirmos acesso universal aos preservativos. Não basta insistirmos que eles são necessários. Prevenir é mais fácil do que remediar, e custa muito menos.




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